27/01/2010

Barbicha de bode

Tragopogon pratensis L.
Cheguei ao cemitério bem cedo pela manhã, caso contrário não lhe teria visto as flores abertas. O nome por que é conhecida, Jack-go-to-bed-at-noon, é quase um eufemismo, pois ela não se faz rogada em ir para a cama ainda antes do meio-dia, e pode nem chegar a acordar se o dia estiver com má cara. Mas a sua presença, tal como a das suas companheiras silvestres, é um daqueles bónus que se ganham só por deixar a natureza cumprir o seu papel. E os parques, ou neste caso um cemitério, são dos raros lugares da metrópole onde a natureza não foi por completo domesticada ou mesmo aniquilada. As flores espontâneas na cidade não são uma praga, nem devem ser tratadas como «ervas daninhas»: são uma dádiva e uma lembrança de outras paisagens e de outros horizontes.

Esta nossa planta preguiçosa é uma asterácea peculiar. Atingindo os 80 cm de altura, começa por chamar a atenção pela sua envergadura e pelo formato das folhas, longas e finas como as da relva. Quando estão fechadas — que é a maior parte do tempo —, as inflorescências, apertadas numa armadura composta por oito sépalas pontiaguadas, são inconfundíveis, como o leitor pode confirmar na foto em cima. Uma vez abertas, constatamos que elas são formadas apenas pelos florículos externos (aqueles que dão as pétalas), estando ausentes os florículos tubulares centrais. (Talvez não seja mau o leitor recapitular a lição que aqui demos sobre as «flores» das asteráceas.) Uma outra asterácea com o mesmo défice, essa sim espontânea em Portugal, é a chicória.

Barbicha-de-bode (ou goat's beard), outro nome comum da planta, é tradução à letra do seu nome científico: em grego tragos significa bode, e pogon, barba. Refere-se ele aos filamentos sedosos que estão na base dos florículos (chamados pappus em latim — veja nesta imagem) mas que só são visíveis quando as pétalas caem e se formam os frutos. Para concluir, eis outras verdades que não saltam à vista: a planta é comestível (raízes e folhas aproveitam-se para saladas); tem uma raiz vertical profunda; o seu caule derrama, quando cortado, um látex leitoso; e, ausente embora de Portugal, ela encontra-se por quase toda a Europa.

2 comentários :

Arma_Zen disse...

Adoro este blog!
Um abraço da Tuca

Paulo Araújo disse...

Obrigado pela simpatia. Um abraço também deste lado do mar.