25/01/2010

A companhia dos mortos


Cemitério de Brompton — Londres


.....Mas se paro um momento, se consigo
.....Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
.....De novo, esses que amei vivem comigo
.........Antero de Quental, Com os Mortos


Em Earl's Court e Chelsea, dois bairros londrinos perto do Tamisa, abundam as praças ajardinadas, mas quase todas elas, por serem privadas, estão interditas ao público em geral. Há contudo, no limite dos dois bairros, um espaço de 16 hectares fartamente arborizado em que toda a gente pode entrar. Vêem-se lá pais e mães com crianças em carrinhos ou pela mão, gente que vem passear os cães, outros em trajes desportivos que correm disciplinadamente a sua quota diária de milhas, uns tantos menos enérgicos que se deixam ficar sentados a ler (não há falta de bancos nem de sombras). No intervalo do almoço muitos aqui vêm engolir a refeição ligeira comprada no take-away da esquina; esquilos, pombas e gralhas ficam à espreita para devorar os restos de comida. Excepcionalmente, lá aparece algum turista de máquina a tiracolo fotografando árvores e monumentos funerários.

Pois esse parque tão popular é afinal um dos históricos cemitérios de Londres, inagurado no mesmo ano (1840) em que foi aberto o cemitério de Highgate. Com um plano rigorosamente rectangular e entradas pelas duas extremidades, em Old Bromptom Road e em Fulham Road, o cemitério de Brompton, é esse o seu nome, não tem o encanto de Kensal Green, mas é de mais fácil acesso e, tal como o seu colega, tem muitas árvores (nas fotos vemos, por esta ordem, um castanheiro-da-Índia, um choupo e um plátano, mas também há tílias, áceres, carvalhos e azinheiras) e muitas flores silvestres. E, beneficiando dessa gestão inteligente que não elimina o que é espontâneo na natureza, são inúmeros os pássaros que fazem deste espaço a sua casa.

Seria sinal de sobranceiro desprezo pela actualidade desportiva não assinalar que o estádio aí em cima, mesmo encostado ao cemitério, é Stamford Bridge, morada do Chelsea Football Club. A verdade é que tal proximidade não ajuda à beleza da envolvente, mas regista a história que os dois, estádio e cemitério, separados apenas por uma linha férrea, são vizinhos um do outro há mais de cento e trinta anos. Ao longo desse período, o primeiro foi-se modernizando, enquanto o segundo regredia para um estado semi-natural. Para quem vem do norte da cidade, a necrópole serve de atalho para chegar à única entrada de Stamford Bridge, em Fulham Road. Ou pelo menos é isso que sugere o filme Eastern Promises (2007) de David Cronenberg, em que um adepto de gorro, cachecol e bandeira é lá esfaqueado quando segue num magote ululante em dia de jogo.

Uma palavra sobre o «malmequer» ou «margarida» que se vê numa das fotos. Trata-se do Leucanthemum vulgare (Vaill.) Lam., planta ruderal muito frequente em toda a Europa e também em Portugal. Antes de o leitor se regozijar por finalmente saber o nome de uma planta tão ubíqua nos nossos campos, é melhor acautelar-se. São muitas as asteráceas, pertencentes por exemplo aos géneros Bellis, Anthemis, Anacyclus, Chamaemelum e Matricaria, que dão inflorescências brancas com centro amarelo, e algumas delas estão ainda mais disseminadas do que o Leucanthemum vulgare. Então como se distinguem os «malmequeres» uns dos outros? Não existe uma regra geral simples, mas, no caso do Leucanthemum vulgare, além do formato e disposição das folhas (alternadas, com margens dentadas — clique na foto para ver melhor), há a peculiaridade de cada haste ser encimada por uma única inflorescência.

1 comentário :

Anónimo disse...

Gosto muito deste blog que visito com regularidade. A preocupação em identificar correctamente as plantas retratadas é algo que reputo de muito importante. Não sou botânico mas interesso-me pelo tema, e assim vejo acrescentado o meu saber nessa área (embora que empírico).
Continuarei a visita-lo !