10/12/2010

Leituga pernalta

Tolpis azorica (Nutt.) P. Silva
A inexistência de genuínos nomes populares para boa parte da nossa flora espontânea, até da mais vulgar, atesta que o nosso povo nunca quis saber muito de plantas. Os Açores, como pedaço de Portugal ancorado no Atlântico, não poderiam ser excepção a essa característica indiferença dos portugueses pelo mundo natural. Só assim se entende que uma planta tão vistosa e encorpada como a Tolpis azorica, que além do mais é um endemismo açoriano, não tenha recebido qualquer nome vernáculo. Para remediar a omissão, propomos o nome leituga-peralta: é que a planta tem base lenhosa e pode atingir um metro de altura, ao passo que a leituga comum (Tolpis barbata) é uma herbácea rasteira. A leituga-pernalta também se singulariza pelas grandes folhas de margens dentadas e pelo tamanho das inflorescências, que têm cerca de 5 cm de diâmetro.

Que a planta continental tenha dimensões liliputianas face à sua congénere insular dever-se-á a um clima de humidade intensa, quase de estufa, que favorece crescimentos anormais. O fenómeno é visível mesmo em árvores ornamentais como as araucárias, que nos Açores crescem mais e mais depressa do que as que moram nos jardins do continente. Lugares há, como as Furnas de São Miguel, em que a vida vegetal parece acelerada por motores em permanente combustão.

Regressemos à Tolpis azorica para acrescentar uns breves dados biográficos. Tendo ela embora reputação de rara, no trilho Serreta-Lagoinha é fácil encontrá-la, em núcleos dispersos, a altitudes relativamente baixas — ainda que os manuais asseverem que ela só aparece acima dos 600 metros. Outra discrepância entre as nossas observações e o que os livros ensinam é a época de floração, que não se restringe ao período prescrito (Maio-Julho), mas se prolonga, pelo menos, até ao início de Outubro.

2 comentários :

Fátima Freitas disse...

Não posso concordar com a primeira frase. O povo (rural)interessava-se, e muito, pelas plantas que lhe eram úteis (no sentido prático). Além de lhes dar nome, sabiam dizer características morfológicas e de habitat. A Noção de utilidade é que talvez não incluisse o aspecto meramente ornamental.

Paulo Araújo disse...

Respeito a sua opinião, Fátima, mas de facto não a partilho. Ou melhor, partilho, mas com uma nuance: o tal povo conhecia, estritamente, as plantas que reputava de úteis, e mais nenhumas; e isso não é conhecer muito. Claro que me baseio em indícios: são muitas as plantas vulgaríssimas que nunca tiveram nome; nos poucos contactos que tenho com gente mais ou menos rural verifico invariavelmente que sabem muito pouco de plantas. Claro que a minha opinião pode ser mero preconceito de citadino que nunca estudou o assunto a fundo. Mas, em meu socorro, pode ler esta opinião do Carlos Aguiar, que sabe muito bem do que fala.