03/12/2010

O jardim não mudou, o silêncio está intacto

Miradouro da Siradella
(O Grove, Pontevedra, Galiza)
...No fundo, este verso afirma que tudo continua na mesma, o que, diga-se, não é propriamente uma novidade. (...)
...Mas olhemos com mais pormenor para os pormenores.
...Em primeiro lugar há a constatação de um facto: o jardim não mudou.
...O importante — no entanto — é, de imediato, perguntar: em que pode mudar um jardim?
...Há dois tipos de resposta: ou um jardim muda tanto que deixa de ser um jardim e passa, por exemplo, a ser o edifício de um Banco que se construiu em cima; ou um jardim muda pouco e, em vez de ter vinte e três flores, passa a ter vinte e duas porque uma foi arrancada por três crianças sem consciência botânica. Entre uma mudança brusca (um jardim inteiro desaparecer) e uma mudança suave (uma flor do jardim desaparecer) há uma significativa distância. Esclarecer como é que o jardim não mudou parece-nos, pois, indispensável. O jardim de que fala o narrador do verso de Auden não mudou porque não desapareceu? Ou não mudou porque manteve as suas vinte e três flores?
(...)
...O homem prático pede que o avisem quando alguma coisa muda. Um poeta como Auden, ao contrário, insiste em avisar o mundo de que algumas coisas não mudam e que esse é, afinal, o seu fascínio.

...
Gonçalo M. Tavares, O Senhor Eliot e as conferências (Editorial Caminho, 2010)

1 comentário :

Angélica Alves disse...

Nisso que dá "olhar com mais pormenor para os pormenores":
vê-se no jardim o silêncio. Intacto.

Ô, Maria, belíssimo texto, obrigada eu!

Adoro (vosso) `dias com árvores´, eternos fascínios e perguntas com duas respostas!

O abraço ensolarado da amiga carioca,

Angélica