27/12/2010

Feto-azevinho

Cyrtomium falcatum (L. fil.) C. Presl


Os americanos chamam Japanese holly fern a este feto. É bom prevenir os falantes de inglês técnico que aquele holly não significa sagrado, não vão eles deduzir que o feto seria usado no Japão em cerimónias budistas. Acontece que a consoante dobrada faz alguma diferença: holly (azevinho) não é o mesmo que holy (sagrado). Quando houver na língua inglesa um acordo ortográfico para abolir consoantes mudas deixaremos de distinguir a árvore do conceito espiritual. Confusão essa que talvez agrade a lexicólogos visionários (da estirpe daqueles que em português uniformizaram a escrita de palavras homófonas como pêlo e pelo) e aos adeptos da New Age.

São os folíolos do Cyrtomium falcatum, coriáceos, pontiagudos e de margens onduladas, que fazem lembrar o azevinho. E os esporângios agrupados em formações orbiculares, cor-de-tijolo, salpicando o verso das frondes num arranjo semi-natalício, são talvez mais um sinal da vocação do feto-azevinho para herdar as funções festivas tradicionalmente atribuídas à árvore das bagas vermelhas.

E onde poderá o leitor colher um punhado destes fetos para enfeitar a sua sala de estar? Afinal a planta é originária do extremo Oriente, que não fica logo aí ao virar da esquina. Mas o comércio hortícola encarregou-se de a espalhar pelo mundo, e em muitos países da América e da Europa ela não se deixou confinar aos jardins. Vi-a em Angra, no Jardim Duque da Terceira, não apenas em canteiros bem arranjados mas noutros lugares onde os jardineiros certamente não a quiseram plantar. E, no passeio a pé pelo Monte Brasil, reencontrei-a à sombra das densas matas de Pittosporum undulatum. Sendo a árvore-do-incenso uma das mais problemáticas espécies infestantes nos Açores, não é motivo para alarme que o feto-azevinho lhe faça companhia: o que havia para estragar há muito que está estragado. E o feto, capaz como é de atingir um metro de envergadura, é vistoso e faz boa figura entre o monótono arvoredo.

5 comentários :

Gi disse...

Só um comentário sobre homofonia: holly e holy não são homófonas, já que em holly o o é uma vogal aberta e longa e em holy é fechada e breve, e há quem diga que pêlo e pelo também não, porque pelo se deve dizer p'lo.

Paulo Araújo disse...

Obrigado, Gi. De facto, eu sabia que holly e holy não se pronunciam da mesma maneira, e por isso tentei escrever de modo a não sugerir que pêlo e pelo seriam um exemplo análogo. Já quanto a estas últimas palavras não serem homófonas, isso acontecerá sobretudo na pronúncia lisboeta (que alguns linguistas tentam promover a pronúncia padrão). Não me imagino a dizer p'lo...

De qualquer modo, ainda é mais grave que duas palavras que para algumas pessoas nem sequer são homófonas sejam, à luz do acordo ortográfico, escritas do mesmo modo.

(E há exemplos ainda piores, mas não vou perder o meu tempo com uma ortografia que nunca pretendo vir a usar.)

Virginia disse...

A partir de hoje juntei o vosso blogue a minha lista que consta do meu proprio blogue: Cor em Movimento. Gosto muito deárvores e vivo em frente ao Botânico do Porto, daí apreciar o vosso blogue dum modo especial. Parabéns.
Como professora de inglês, também apreciei os detalhes linguísticos aqui debatidos.
Bom Ano Novo
Virgínia Barros

Luz disse...

Pois eu, nos Açores fiquei impressionada com as conteiras... Vi-as por toda a parte, S.Miguel, S.Jorge, Faial. A ilha em que vi menos foi no Pico...
Ainda fiquei mais impressionada quando soube que era uma invasora. E invadiu mesmo! Está por todo o lado. Acho que só mesmo ali é que entendi o que era ser uma invasora. Agora acabo de saber que também a árvore do incenso é invsora... mas mesmo assim ainda estou fascinada pela magetosodade das ilhas. Sobretudo do Pico!
Bom Ano Novo!

Paulo Araújo disse...

Virgínia: nós também gostamos do Botânico, infelizmente agora com horário reduzido (encerrado ao fim-de-semana) a pretexto (fraco pretexto) das obras na Casa Andresen.

Luz: de facto as duas piores invasoras nos Açores são a árvore-do-incenso e a conteira; logo a seguir vêm as hortênsias. O prejuízo que estas plantas causam à vegetação natural das ilhas é tremendo. Mesmo as zonas de floresta nativa no interior de algumas ilhas começam a estar infestadas de conteiras.