Arabis à portuguesa
Há dias, os jornais noticiaram que, com o telescópio Hubble, se conseguiram avistar galáxias tão distantes que talvez elas já não estejam onde as vemos, ou já nem existam. Estranha-se um mundo tão vasto, onde há mortos que nos surgem vivos e o tempo que vai passando, em vez de se perder, se aconchega num lugar longínquo. Mas o pasmo não é menor quando lemos que se descobriu nas Beiras uma planta nova para a ciência. Como se conseguiu ela esconder, aqui tão perto, dos botânicos e colectores que calcorreiam os nossos montes? Por que ninguém reparou nela antes se o país é pequeno e não tem florestas impenetráveis? Sendo rara (em 2001 conheciam-se apenas sete populações), poderia ter desaparecido, como uma galáxia remota, sem nunca ter sido vista.
A Arabis beirana é um endemismo português identificado em 1996 nos cumes da serra do Açor. Foi descrita em 2001, na revista Botanical Journal of the Linnean Society, por Paulo Silveira, Jorge Paiva e Marcos Samaniego, mas na verdade já havia recolhas anteriores desta planta em herbário, de regiões a menor altitude. Porém, ninguém parece ter notado as diferenças que, meio século depois, lhe conferiram o estatuto de nova espécie. A primeira população referenciada, e a mesma que nós agora fotografámos, mora junto ao marco geodésico de São Pedro do Açor, a mais de 1300 m de altitude, numa encosta xistosa virada a norte e perto de um parque eólico; foi também lá que vimos a Jurinea humilis.
É uma herbácea pequena (não mais de 70 cm de altura) e hirsuta, com pêlos estrelados e inflorescência pubescente (um dos traços que a distingue e que pode ver na última foto), com características morfológicas e genéticas que a situam entre a A. stenocarpa Boiss. & Reut., um endemismo ibérico, e a A. sadina (Samp.) Cout., outro endemismo lusitano, de ecologia distinta. Conjectura-se mesmo que esta nova Arabis terá tido origem numa população isolada de A. stenocarpa (ou de um antepassado comum), e que idênticas circunstâncias terão criado a A. sadina.
É uma planta bianual ou perene, com uma roseta de folhas basais crenadas ou lobadas e um caule penugento a que se abraçam folhas lanceoladas de menor tamanho. As flores têm sépalas de cor púrpura, pétalas brancas ou rosadas e quatro nectários. O fruto é uma vagem longa e achatada, em posição ascendente, com uma fiada de sementes aladas.
Na Flora Ibérica, o género Arabis abriga 19 espécies, mas a A. beirana ainda não consta da lista. Talvez as galáxias descobertas na semana passada já figurem nos mapas celestes.