Hirschfeldia incana (L.) Lagr.-Foss.
Quem visita andares-modelo em novas urbanizações começa por dirigir-se a uma barraca onde, além do vendedor sentado à secretária, encontra uma maquete do projecto sobre uma mesa forrada a verde. No lugar do estaleiro esburacado e poeirento, semeado de entulhos, promete a maquete que há-de nascer um jardim; no qual, a julgar pelas figurinhas humanas que a povoam, hão-de passear famílias elegantes e louras. O possível comprador, que não é louro mas é casado com uma mulher que por vezes o é, que ainda não tem filhos mas prevê que, quando os tiver, eles não serão louros enquanto não frequentarem cabeleireiros, sabe que a realidade nunca estará à altura da maquete. E não hão-de ser apenas a cor do cabelo, o tom da pele ou a indumentária dos futuros moradores a desmentirem a profecia. O mais provável é que nunca venha a existir jardim, mas apenas um relvado que em pouco tempo cairá no desmazelo; ou nem isso, e os montes de entulho eternizar-se-ão na paisagem quotidiana. O promotor não terá desistido de fazer o jardim, mas a urbanização previa mais quatro ou cinco prédios além dos dois que já começam a ser habitados, e a crise obriga a adiar indefinidamente a sua construção. O jardim, toque final de requinte que daria coerência a todo o projecto, não pode ser executado aos pedacinhos.
Ainda assim, os ocupantes da urbanização não deixarão de ter flores à porta de casa. Elas serão até em maior quantidade e variedade do que seriam se, em vez do entulho, a janela da sala abrisse para um relvado minimalista. Há um sem-número de plantas, ditas
ruderais, que se especializaram em habitats degradados e provisórios. Algumas, como a
Hirschfeldia incana, são desgrenhadas e não têm pinta para concursos de beleza; outras, como os gerânios e as papoilas, só não se igualam às mais delicadas flores de jardim porque um preconceito de classe as impede de serem apreciadas como merecem. E, como aquilo não é natureza mas uma caricatura que o desleixo ajudou a criar, o efeito geral do entulho em flor não é de uma simetria colorida e repousante; é de uma luta sem quartel pela sobrevivência.
À semelhança dos gatos que fazem dos baldios urbanos a sua casa, as plantas sem eira nem beira que lá moram não têm nome. Na verdade, certos gatos menos esquivos acabam por ter muitos nomes, cada um deles atribuído por alguma pessoa das suas relações que ignora todos os demais. E a
Hirschfeldia incana, além de ter um nome popular e verdadeiro,
ineixa, tem também um inacreditável,
hirsféldia-de-pêlo-branco. É improvável, porém, que quem veja esta planta nas traseiras do seu prédio conheça estes nomes ou se dê ao trabalho de inventar algum para seu uso.
Da família dos rabanetes e das couves, como aliás recorda o nome castelhano
rabaniza amarilla, não consta que a hirsféldia-de-pêlo-branco [
risos abafados] seja vulgarmente usada para alimentação humana, embora tenha folhas comestíveis. É uma planta bienal com floração primaveril ou estival, e com hastes que ultrapassam um metro de altura. Distingue-se, na fase da frutificação, pela ramificação profusa e desordenada e pelas numerosas vagens comprimidas sobre os eixos das inflorescências (foto 5). Ocorre por toda a Península Ibérica e região mediterrânica, em terrenos incultos ou como infestante de cultivos.