Dueto de umbelíferas
Todos sabemos como os elogios nos fazem falta. Não nos basta o mérito se os outros não reparam nele, sendo que reparar é equivalente a expressar publicamente o apreço e contribuir para que a glória não seja esquecida. Descontadas a lisonja e a ganância, o processo nem é inteiramente pernicioso: é a opinião dos outros, e a competição entre nós, que nos espevita o talento e nos estimula a inovar. As mudanças que induzimos ou criamos em inúmeros domínios são parte dessa incessante busca de qualidade. Sem elas, talvez o tédio acabasse connosco. Nisto diferimos bastante das plantas, que parecem viver num descansado tempo sem imaginação nem anseios, apenas a cumprir ordens. De resto, se mudam, é porque a natureza, esse estranho oleiro de cujas mãos queremos também fazer parte, as vai moldando aos requisitos do mundo. Claro que, sem protagonismo, não têm capacidade de controlar o guião. Mas há que reconhecer benefícios nessa opção pela irresponsabilidade. Senão vejamos o caso destas duas herbáceas.
O género Bupleurum é um dos que abriga maior número de espécies, cerca de 150, nativas do hemisfério norte, com uma excepção (B. mundtii, da África do Sul). Contudo, a maioria tem área de distribuição reduzida, como aliás acontece ao B. lancifolium e ao B. gerardi. São notórias as semelhanças entre estas duas espécies, em pormenores relevantes para os respectivos ciclos de vida. Ambas gostam de solo calcário, embora uma seja mais frequente em searas e terrenos incultos e a outra em sítios pedregosos. As folhas são perfoliadas e com nervuras densas e finas (daí o nome Bupleurum), o que talvez lhes permita poupar água. As inflorescências em umbelas, apostando num conjunto numeroso de flores ainda que estas tenham por isso de ser minúsculas, formam arranjos que atraem muitos polinizadores, no que constitui um exemplo engenhoso de trabalho comunitário. As flores são amarelas (a maioria das umbelíferas têm-nas brancas), cor que todos os insectos parecem apreciar, com as pétalas reviradas a expôr ao sol os potes de mel brilhante. Mas há também diferenças. E, pesando-as, provavelmente os avaliadores ousariam afirmar que a mais baixa mas de porte mais robusto (B. lancifolium), com folhagem de uma linda cor verde-alface e bractéolas grandes, é mais bonita e, numa apreciação redutora, a mais bem sucedida.
Mas por que há duas espécies em habitats tão próximos, tendo uma delas uma morfologia aparentemente tão mais vantajosa? Não há resposta que nos convença, mas é certo que as diferenças são bastantes para garantir a ambas polinizadores e nichos de solo para colonizarem com sucesso. O preço é pago em duas vias: têm uma vida curta, pois são plantas anuais; e, uma vez concedida a licença para existirem, devem assegurar farta descendência e uma dispersão eficiente. Isto não lembra o mundo populoso e bom, eternamente grato ao criador, que algumas religiões propõem como perfeito?
Há (pelo menos) dois botânicos de nome Gerard homenageados através da taxonomia. O inglês John Gerard (1545-1612) levou Lineu a criar o género Gerardia. O francês Louis Gérard (1733-1819), cuja correspondência com Lineu pode ser lida (em latim) aqui, é o referido por Carlo Allioni (1728-1804) ao nomear em 1774 o Bupleurum mais delgado. Temos a certeza deste detalhe porque, curiosamente, cabe a Allioni a prioridade nesta designação precisamente por ter citado, em vez de apenas copiar, a Flora Gallo-Provincialis de Louis Gerard ao descrever esta planta. A propósito, pelas regras de hoje, a designação correcta é Bupleurum gerardii All.