Muros de Villaescusa
Villaescusa de las Torres é uma aldeia de 22 habitantes, uma igreja e uma trintena de casas, situada na província de Palência, em Espanha, a três quilómetros da vila de Aguilar de Campoo. O rio Pisuerga, apesar do compasso de espera a que o obriga a albufeira de Aguilar, tem um caudal generoso à passagem pela vila e pela aldeia, criando uma serpenteante fita azul e verde que une a paisagem edificada às amplas extensões de campos cultivados. A uma altitude rondando os 900 metros, onde a neve cai quase todos os anos, não é lugar para refúgio do hipotético crocodilo que terá sido avistado, no início de Junho, uns 150 km a sul, na foz do Pisuerga em Valladolid. Por altura da nossa visita, há dois anos, ninguém suporia que este rio de margens tranquilas pudesse abrigar tão agressiva fauna exótica.
O planalto palentino, que faz a transição entre a monótona planura de Castela e a acidentada cordilheira cantábrica, é rasgado aqui e ali por afloramentos calcários de grandes dimensões. O próprio Pisuerga corre, em certos troços, apertado entre escarpadas paredes de rocha branca. Muros e casas de Villaescusa são feitos da mesma pedra, deixada ao natural ou caiada de branco ou bege. O calcário é a escolha de eleição para muitas plantas, garantindo uma diversidade florística muito superior à que é de regra noutros substratos. E, apesar de não faltarem em redor da aldeia habitats naturais em quantidade e qualidade, não são poucas as plantas que colonizam muros e telhados. Para aquelas que vivem nas bolsas de solo que se acumulam em fissuras de rochas, os muros tradicionais de pedra solta são até um habitat preferencial, por reproduzirem em versão concentrada as condições do habitat natural.
Mais do que a Arenaria e o Alyssum, que só timidamente se aventuram em muros, é a Saxifraga cuneata que entre Maio e Junho enfeita com empenho as três ou quatro ruas de Villaescusa. Como o nome indica (Saxifraga significa partir pedra), estas plantas, de que há umas sessenta espécies só na Península Ibérica, sentem-se em casa em habitats pedregosos, algumas preferindo o calcário e outras o granito ou o xisto. Esta S. cuneata é irrepreensivelmente decorativa tanto nas folhas como na floração exuberante, mas talvez ao vê-la nos acometa uma impressão de déjà-vu. De facto, ela é quase igual à Saxifraga trifurcata, endémica das montanhas do norte de Espanha e também de peferências calcícolas. Não que seja problemático distingui-las: as folhas são claramente diferentes, mais recortadas as da S. trifurcata, que além do mais, ao contrário da S. cuneata, costuma apresentar hastes avermelhadas. Mas há um ar de família indisfarçável, e as duas saxífragas, juntamente com a S. portosanctana, formam uma tríade muito homogénea.
A Saxifraga cuneata vive na metade norte da Península Ibérica, com uma localização adicional em França perto da fronteira com Espanha. É especialmente frequente em Palência nos afloramentos calcários ao longo do curso superior do rio Pisuerga. Este ano o desconfinamento já vem tarde para quem queira admirar-lhe a floração.