06/02/2022

Erva raposeira

Reseda barrelieri Bertol. ex Müll. Arg.


Para quem vem do centro da Península em direcção ao norte, as montanhas calcárias de Palência anunciam, em modo suave, que estamos a chegar à Cordilheira Cantábrica, deixando para trás as estradas rectilíneas que cruzam planaltos infindáveis. A montanha palentina pode ser vista como um aperitivo modesto para quem vai em busca de paisagens de cortar o fôlego, e anseia por afastar-se de lugares muito marcados pela presença humana. Aqui, os rios correm pachorrentos por declives imperceptíveis, as povoações esparsas são entremeadas por extensos campos de cultivo geometricamente parcelados, e há zonas industriais e pedreiras activas nos arredores de pequenas cidades como Aguilar de Campoo. Mesmo assim, quem percorre as margens do rio Pisuerga em Villaescusa de las Torres, ou ascende aos afloramentos calcários sobranceiros à aldeia, se não encontra "natureza em estado puro" (esse mito romântico tão ao gosto de quem escreve para viajantes de sofá), pelo menos mergulha numa paisagem ordenada onde o que é espontâneo e genuíno na natureza ocupa lugar central.

À lista de preciosidades botânicas de Villaescusa de que já demos notícia (Saxifraga cuneata, Arenaria grandiflora, Telephium imperati, Lactuca perennis e Berberis vulgaris), juntamos agora uma reseda com preferência por substratos calcícolas ou margosos que tem a distinção de ser um endemismo ibérico e que, em espanhol, é conhecida como hopo de zorra (rabo-de-raposa). Com hastes erectas que podem chegar a um metro de altura e floração que se estende de Março a Julho, a Reseda barrelieri (o epíteto homageia Jacques Barrelier, botânico e padre dominicano francês do séc. XVII) apresenta fortes semelhanças com congéneres suas como a R. alba e a R. suffruticosa; da primeira distingue-se pelas flores sésseis (a R. alba tem pedicelos bem desenvolvidos), e da segunda por ter folhas basais menos recortados (as da R. suffruticosa são bipinatífidas). Tanto a R. barrelieri como a R. alba estão assinaladas como espontâneas em Portugal; e ambas, infelizmente, correm o risco de desaparecer do nosso país: a R. alba, que na Lista Vermelha da Flora de Portugal [LVF] foi considerada em "perigo crítico", só era conhecida das dunas de Tróia, e já não é vista desde 2015; a R. barrelieri, tanto quanto se sabe, ainda se vai aguentando na envolvente das antigas minas de Santo Adrião, em Vimioso, mas com um efectivo populacional de poucas dezenas (a LVF considerou-a "em perigo").

Santo Adrião é o maior afloramento calcário de Trás-os-Montes e dá abrigo a algumas plantas únicas. Com o fim das actividades extractivas em 2001, é hoje um espaço natural protegido incluído na Rede Natura 2000. Será isso suficiente para a Reseda barrelieri ter futuro? Em Portugal, e como a campanha do lítio tem eloquentemente mostrado, só interessa proteger a natureza enquanto valores (económicos) mais altos não se levantam.

1 comentário :

bettips disse...

É linda de flores no ar como a espuma do "Raposeira", espumante!
Ando é preocupada com o aeroporto no Montijo e a trapalhada das construções, ou não, na Lagoa dos Salgados. Sem falar "no lítio" mas espero que sejam "tomadas algumas medidas" para minimizar os danos que sempre os haverá.
Abçs