Leça outra vez
Já antes, acompanhando Raul Brandão, passeámos nas margens do rio Leça. Ao passeio literário e virtual juntámos um destes dias o passeio real: fomos a Leça do Balio, terra do antiquíssimo mosteiro. E lá está ele, como novo, ao fundo de um declive relvado. O enquadramento verde, com umas magras árvores e os avisos para não pisar, ainda que nada acrescente à beleza do edifício, também não a agride. Ao lado e abaixo do mosteiro, acompanhando a margem do rio, foi construída uma discreta zona de lazer, com restaurante, cafetaria, esplanada, equipamento infantil, algum cimento, muita relva e poucas árvores. Nada que entusiasme: não há canteiros floridos; os percursos foram traçados a régua; as árvores que foram poupadas na margem do rio, incluindo alguns carvalhos de bom porte, não foram limpas da hera que as ameaça sufocar. Mas a esplanada é sossegada, sem que a perturbe o ruído do trânsito, e está à distância ideal do rio Leça: adivinhamos-lhe a presença mas não lhe sentimos o cheiro. E talvez não devamos ser muito exigentes em matéria de espaços verdes: já é muito bom que existam e sejam preponderantemente verdes.
No entanto, a manutenção daqueles relvados não sai barata em "jardineiros" (i.e., operadores de corta-relva) e água. Pelo mesmo preço não seria possível compor e manter algo que revelasse arte e gosto?
Pois não foi o mosteiro o único monumento que visitámos em Leça do Balio. Com a desajuda de uma funcionária da Junta de Freguesia, incapaz até de interpretar o mapa local que tinha para distribuir, conseguimos, depois de várias voltas à pista (ou seja, às vias rápidas que rasgam a localidade e a tornam imprópria para peões), encontrar a Quinta do Alão. Tem esta quinta, propriedade particular, a fama de possuir os jardins seiscentistas mais bem conservados do país: a ela se referem, com elucidativas fotos, dois importantes livros recentes sobre jardins portugueses, o Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal (1998) de Helder Carita e Homem Cardoso, e Jardins com História (2002), editado por Cristina Castel-Branco. Tem a fama e tem o proveito, como pudemos testemunhar por nos ter sido facultada entrada pelo Sr. Abreu, jardineiro que há várias décadas cuida amorosamente dos jardins (coadjuvado em anos recentes por outro jardineiro). Que saber e paixão as daquele homem! Que contraste entre o colorido, a surpresa e a variedade das árvores, arbustos e flores daqueles canteiros e a jardinagem bisonha e ignorante que, cada vez mais, somos obrigados a tolerar nos nossos locais públicos!
Por imprevidência, do que lá vimos não guardámos registo fotográfico. Entre as muitas árvores que o Sr. Abreu plantou na antiga horta e pomar, hoje ajardinados, destacamos, pela sua raridade, uma Metasequoia, parente próxima das sequóias mas de folhagem caduca que foi descoberta na China em 1944: este bonito exemplar, de altura já respeitável, tem cerca de 40 anos.
2 comentários :
Parto então do princípio que a Quinta do Alão não é "visitável" ou o senhor Abreu estará disponível para a abrir as portas a outros olhares curiosos?
Obrigado, Jorge Ricardo Pinto, pelas boas palavras. Também a Avenida dos Aliados tem revelado, com grande mérito, os locais e as histórias que fazem a cidade. Quanto às fotos: foi uma pena não irmos preparados (não tenho o hábito de andar sempre de máquina em punho), mas de facto não esperávamos entrar na Quinta do Alão. Queríamos só saber a localização para mais tarde contactarmos formalmente o proprietário solicitando-lhe autorização para uma visita em grupo. Mas o Sr. Abreu deixou-nos entrar e foi de uma simpatia extrema: vê-se que tem orgulho em mostrar a sua obra. Como vê, Carla, não há nada como tentar.
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