Estacionamento comestível
Têm sido desencontradas as notícias sobre a sorte do Jardim Soares dos Reis, um dos dois únicos jardins públicos existentes no centro urbano de Vila Nova de Gaia (o outro é o Jardim do Morro). Garantido é que pelo menos até final de 2006, enquanto prossegue a construção do túnel rodoviário que completa a IC23, o jardim está convertido em estaleiro e vedado ao usufruto público. É triste sinal de menosprezo pelos jardins públicos este uso como estaleiros de obras que nada têm a ver com a sua vocação. A razão para tal procedimento, que nos últimos anos ganhou carácter epidémico, é que os jardins são terreno municipal e a sua ocupação não onera as autarquias. Mas a degradação da paisagem urbana e a perda de qualidade de vida enquanto duram essas expropriações deveriam pesar bem mais na balança de quem pondera custos e benefícios. E, no que toca às obras agora em curso, a situação agrava-se com as denúncias de achados arqueológicos no subsolo do jardim que não terão sido devidamente valorizados e protegidos.
Entretanto, soube-se há dias que, no final das obras, com a reorganização do trânsito em seu redor, o jardim crescerá cerca de 2400 m^2. Uma indiscutível boa notícia, para mais apresentada com declarações que só podemos saudar, como esta do Presidente da Câmara gaiense: «O impacto que o último troço do IC23 vai criar, com a passagem de 70 mil carros por dia, teria de ser minorado com algo de qualidade que sirva a cidade e evite que espaços públicos se transformem em locais de marginalidade.»
Só que, embrulhada na boa notícia, vinha a desagradável promessa de construir um parque de estacionamento sob o jardim; e igualmente foi divulgada, há tempos, a intenção da Câmara de construir estacionamento subterrâneo no Jardim do Morro. Ora sabe-se que, por muitos cuidados que se tenham nessas empreitadas (e a regra é nem haver tais cuidados), os jardins sofrerão sempre graves amputações; e que as condições vegetativas das árvores nunca serão as mesmas se, no subsolo, houver uma placa de betão em vez de terra viva e permeável. De pouco vale a prometida ampliação do Soares dos Reis se entretanto as árvores tiverem sido abatidas ou seriamente debilitadas. Um jardim não se faz à pressa, nem se confunde com uma superfície arrelvada camuflando uma laje de cimento: é antes o resultado de um processo de crescimento e maturação que dura décadas, e que obras insensatas como estas, feitas em prol do já sufocante domínio do automóvel no espaço público urbano, ameaçam desbaratar brutalmente.
Ontem os jornais noticiaram que o lançamento do concurso para a construção e exploração do estacionamento no Soares dos Reis foi aprovado pelo executivo camarário gaiense. Ilda Figueiredo, honra lhe seja feita, quebrou a unanimidade da vereação ao alertar para o que na verdade está em causa: «o equipamento terá impactos fortes negativos num dos poucos jardins dignos desse nome, em Gaia».
A mentalidade dos restantes vereadores é lapidarmente resumida por um deles, Barbosa Ribeiro, quando declara (segundo o jornal Público) que a zona de Soares dos Reis «precisa de estacionamento como de pão para a boca». Tomáramos nós ouvir o político que dissesse, com muito mais acerto, que Gaia precisa de jardins como de ar para os pulmões.
Fotos: pva 0504
1 comentário :
Sou lisboeta e conheço mal o Porto e muito mal VNGaia (agora os jardins e espaços verdes de ambas um pouco melhor graças ao "Dias com árvores" que visito todos os dias), mas a epidemia dos estaleiros em jardins também grassa por estas bandas. Ás vezes com sintomas agudos que normalmente levam ao puro e simples (e tão prático) arrasar completo das árvores para instalar o estaleiro "mais à vontade". Foi o que aconteceu em duas faixas marginais do Parque Eduardo VII para o estaleiro do famigerado Túnel do Marquês e em todo o primeiro quarteirão (!) da Av. António Augusto de Aguiar penso que por causa da mesma obra, para referir apenas dois sítos onde passo todos os dias. Perante protestos o argumento é sempre o mesmo não há problema porque se abateram 10 árvores mas vão ser depois plantadas 15 ou 20(infelizes, raquiticas, sem espaço que lutam deseperada e ingloriamente por se manterem vivas até ao próximo estaleiro). Aqui tão maltratados como as árvores só os peões...
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