Carvalho de Calvos
Quercus robur L. - Calvos, Póvoa de Lanhoso
Pode alguém ser dono da Grande Pirâmide? A arte é eterna e não se deixa possuir; nós é que somos possuídos por ela. Era isto que concluíam em uníssono o professor David Kapesh (ou seria Ben Kingsley?) e a jovem autora por ele entrevistada em programa radiofónico sobre literatura. Tratava-se de um filme (Elegia, de Isabel Coixet) ou, para quem prefira dar-se ares de erudito, de um livro (The Dying Animal, de Philip Roth), mas a ideia da perenidade da arte face à curteza da vida humana nada tem de original. O professor / entrevistador enunciava-a com a segurança de uma verdade há muito consabida; como quem recita uma oração, as palavras fluíam-lhe sem peso. Talvez nem as sentisse - elas apenas cumpriam uma função utilitária no jogo de sedução a que Kapesh, incorrigível sátiro, se entregava.
Em suma, a ideia é tão banal que até a publicidade se apropriou dela: o pai de família não é dono do valioso relógio suíço, apenas cuida dele para a geração seguinte, etc. etc. Mas um relógio, ou mesmo uma pintura, podem-se esconder da vista de todos. Se forem destruídos ou, como era hábito fazer com os tesouros dos faraós, sepultados com os donos, poucos lhes darão pela falta. O que nos impressiona são as coisas realmente grandes, impossíveis de ignorar ou de esconder, que estabelecem um elo entre gerações muito afastadas. As pirâmides, claro. Todos os nossos grandes monumentos em pedra. E por que não também as árvores?
O carvalho de Calvos já teve muitos proprietários; mas eles passaram, como passaremos nós, e o carvalho lá continua. Afinal talvez não tenha tido nenhum dono; teve, simplesmente, admiradores agradecidos, como nós somos hoje. Alguns tão agradecidos e admirados que lhe exageram a idade e engrandecem as medidas. No folheto que é fornecido no Centro Interpretativo do carvalho de Calvos atribuem-lhe um perímetro à altura do peito (PAP) de 10 metros; mais sóbria, a Autoridade Florestal Nacional, que o classificou em 1997 como árvore de interesse público, achou-lhe um PAP de apenas 7,4 m quando o mediu em 2006. E, enquanto os seus íntimos o dizem milenar, esses desmancha-prazeres de fita métrica em punho só lhe dão quinhentos anos de vida.
(Para impor de vez a verdade subjectiva só ao alcance do amor deslumbrado, alguém fez cravar, num dos castanheiros que visitámos no Sabugal - nem sequer o de maior envergadura -, uma placa informando que ele foi ali plantado no ano de novecentos e tal. Mais de mil anos de vida bem contados é pois o que atesta a legenda. Quem se atreverá a negar ao castanheiro os anos gravados na pedra?)
Controvérsias à parte, o carvalho de Calvos é de longe o maior da sua espécie na Península Ibérica, e talvez o mais antigo. Ao contrário de outras árvores multisseculares, exibe uma copa frondosa e pujante (35,5 metros de diâmetro), e promete ultrapassar este vigésimo-primeiro século DC com a mesma facilidade com que atravessou os cinco (ou dez) anteriores. Observá-lo de perto é uma experiência incomparável, uma vertigem que nos deixa emudecidos. A Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, além de ter feito dele o centro de um projecto de educação ambiental, guardou-lhe um generoso perímetro de protecção, escorou-lhe as ramadas, e vigia-lhe ciosamente a saúde. Bem haja a Câmara pelo carinho com que protege este monumento vivo.
P.S. O Pedro Santos, da Sombra Verde, também se enamorou por este carvalho, e já por duas vezes escreveu sobre ele: confira aqui e aqui.
8 comentários :
Paulo, texto belíssimo sobre um assunto belíssimo! Me encanta! Sabe que tenho este teu blog linkado no meu há muito tempo, desde que o abri, uns dois anos atrás. Passo sempre por aqui e acho fantástica as fotos e os textos. Vi que passou um grande período sem atualização e quase o tirei dos meu blogroll, vejo que valeu esperar a tua volta. Adorei este post em especial, pois amo as árvores, principalmente as antigas, mas é um amor mudo, no máximo planto árvores pelo sistema online do clickarvore há algum tempo...
Bom, gostaria de indicar este seu post lá no meu blog, preparar algo sobre este meu amor pelas árvores e trazer os leitores pra cá, pra esta delícia de texto. Claro que esperarei o teu ok pra isto!
Parabéns pelo belo trabalho.
Abraços,
Berenice
Berenice, muito obrigado pela simpatia. A minha experiência com árvores e plantas é também só a de observador, pois não tenho nenhum pedaço de terreno onde passar da teoria à prática. É claro que podes pôr indicação para este texto no teu blogue, e até te fico agradecido por fazeres isso.
Abraço,
Paulo
Paulo,
É mesmo impossível ficar indiferente a este ancião charmoso e cheio de vigor.
E concordo que o espaço está muito bem conseguido e também sublinho o perímetro alargado de protecção à árvore. É uma obra que merece elogios e este tipo de espaços deveria ser replicado noutros pontos do país.
Obrigado pela referência aos meus textos.
Tenho que lá voltar no Outono...
Pedro,
Visitar este carvalho devia ser obrigatório para quem gosta de árvores, pois estar ao pé dele é uma experiência que as fotos ou os textos não conseguem transmitir. Tal como tu, também fiquei com grande vontade de lá voltar.
Ainda bem que o Dias com Árvores voltou à actividade. É bom passar por aqui. Obrigada.
E podem aproveitar para fazer um pic-nic pois tem lá ao lado umas convidativas mesinhas!
É o meu ginásio preferido, todos os dias, sem poluição
Olá, hoje dia 1 de julho de 2012 fui conhecer o tão famoso carvalho de calvos,na Povoa de Lanhoso. Fiquei emocionada ao ver a grandeza de tão bela árvore! Bem haja aos que a protegem,para o bem de todos,eaos que a divulgam neste espaço,gostei muito das fotos,e do texto...porque simplesmente amo a natureza.Bem hajam...
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