30/07/2009

Fidalguinha azul


Centaurea cyanus L.

É humano querer o que nos é preciso, e é humano desejar o que não nos é preciso, mas é para nós desejável. O que é doença é desejar com igual intensidade o que é preciso e o que é desejável, e sofrer por não ser perfeito como se se sofresse por não ter pão. O mal romântico é este: é querer a lua como se houvesse maneira de a obter.

Uma flor azul é, desde Novalis (1772-1801) e a obra Henry Von Ofterdingen, símbolo literário do romantismo, premonição de amor e desejo, ou um vislumbre do que parece inalcançável. Recentemente, com a ajuda desta centáurea, a ciência abeirou-se da quimera.

A coloração das flores é obtida através de uma grande variedade de pigmentos feitos de moléculas que reflectem a luz de modo distinto. O azul é conferido por antocianinas, glicosídios solúveis em água e responsáveis por cerca de 30% do tecido das pétalas dessa cor, através de estratégias complexas de variação dos níveis de acidez e oxidação dentro das células. Biólogos e químicos rodearam-se de flores de Centaurea cyanus (e de Commelina communis, Ipomoea acuminata, Salvia patens e Hydrangea macrophylla) e decifraram o código das cores. A tecnologia e a manipulação genética fizeram o resto, e nasceu a primeira rosa azul.

Ficou, então, neste mundo de almas, a ruína visível, a desgraça patente, sem a treva que a cobrisse do seu carinho falso. As almas viram-se tais quais eram.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

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