Caminhos de Belém
Em Portugal, o caminho de Belém é uma metáfora do percurso político — alimentado durante anos por «tabus» postos a cozinhar em lume brando nos títulos especulativos dos jornais — que pode guindar alguém ao mais alto cargo da nação. Quem não tiver sido eleito para nada de especial, nem for político ou personalidade pública de relevo bastante para ser recebido em audiência, pode apenas visitar os jardins do Palácio de Belém em cada dia 5 de Outubro ou em alguma outra rara ocasião em que os portões sejam franqueados ao povo. Mas é possível, em qualquer altura do ano, espreitá-los sem grande despesa pagando uma entrada de dois euros no vizinho Jardim Botânico Tropical, aberto todos os dias (excepto feriados) até às 17:00. Os dois jardins partilham um gradeamento de algumas dezenas de metros, e dá para ver, do lado de lá, dois ou três pinheiros-mansos, um lago rodeado por laranjeiras para onde se desce por uma dupla escadaria, e, nas traseiras do palácio, uma araucária-de-Norfolk entristecida por falta de companhia. Um gato digno e anafado, de pelagem cinzenta e porte inconfundivelmente presidencial, atravessa amiúde o gradeamento para vir ao lado de cá mordiscar as ervitas que lhe lubrificam o trânsito digestivo.
Evocativas do sul e dos trópicos, palmeiras em dupla procissão ladeiam os caminhos que, dentro do Jardim Botânico Tropical, conduzem ao Palácio de Belém atrás das grades. Não um sul muito exacerbado, pois tanto a palmeira-das-Canárias (Phoenix canariensis) como a palmeira-de-leque-da-Califórnia (Washingtonia filifera) resistem bem ao frio e são comuns — muito mais a primeira do que a segunda — em todo o litoral norte do país. Alamedas com o efeito cénico destas duas, com centenas de metros de extensão, não são, porém, nada comuns, e valem, por si só, uma visita ao jardim.
Inaugurado em 1912, com uma área ajardinada de cinco hectares, este espaço já se chamou Jardim Colonial e, depois de 1951, Jardim do Ultramar. Integrando o Instituto de Investigação Científica Tropical, não consegue disfarçar um certo desmazelo, ainda que menos chocante do que noutros jardins botânicos portugueses. Será esse o resultado da falta de pessoal? Segundo esta página, dos 25 funcionários do jardim no activo, incluindo investigadores, técnicos e bolseiros, só dois são jardineiros. Também o dinheiro não parece por aqui existir às mãos-cheias: a estufa, fechada há dois anos para obras de recuperação que nem sequer se iniciaram, está a caminho da ruína completa.
8 comentários :
Este é um dos jardins de Lisboa que eu mais gosto... pena estar tão abandonado e tão maltratado...
Mesmo assim não dispenso uma visita anual com as crianças do Jardim de Infãncia. Mesmo sem lhes poder dizer o verdadeiro nome das plantas, pois são muito pequenas e essas coisas ainda não lhes interessam muito, é um local excelente para explorar, para perceber o que é diversidade, para brincar aos cinco cantos do mundo, para descobrir coisas novas e diversificar vivências. E eles aprendem sempre imenso com estas visitas. Pena é que a Câmara só olhe para os jardins novos e esqueça esta pérola de diversidade. Quem sabe se neste Ano Internacional da Biodiversidade o Sr Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não acorda, ele que, segundo eu desconfio, sonha com o tal caminho para Belém. Não é isso que, após a eleição do dr Jorge Sampaio todos eles sonham? Pena que se esquecem deste jardim mesmo à portinha de casa...
E mais não digo...
Boa semana
Luz
PS- Esta semana, o Jornal das Letras traz uma reportagem sobre o trabalho desenvolvido na nossa sala de Jardim de Infância. Sai na quarta feira, dia 13. Se nos quiserem conhecer melhor basta lê-la... Eu estou feliz e não me consigo calar. É muito bom ver o nosso trabalho reconhecido!
Luz
Olá, Luz. Já se sabe que em Portugal só gostamos de novidades e de inaugurações; o património é uma coisa aborrecida. Preferimos não gastar dinheiro a manter o antigo quando se pode fazer novo. E a verdade é que os jardins precisam de muitos anos para serem realmente aconchegantes, como é este Jardim Tropical em Belém.
(Claro que vamos ler com muita curiosidade essa reportagem no Jornal de Letras.)
Obrigado Paulo. Assim também partilho convosco um pouco do nosso dia a dia.
Luz
Se aquelas árvores falassem teriam muito que contar.
E com a doença das palmeiras que aí vem este património está ainda mais ameaçado! Espero que este inverno frio tenha ajudado a desacelarar a expansão do besouro que anda a destruir as palmeiras do Algarve e que já chegou à costa de Lisboa.
Foi um dos sítios que descobri há poucos anos. Admirada pelo desleixo - feliz pela selvajaria...quem sabe se as intervenções são benéficas??? e cimentadas? Quando alguém vier só limpar e cuidar, acredito em tudo.
Há ao fundo, depois de maciços de rosas já selvagens, uma estufa também arruinada, que pertence...ao palácio tal de belém. Nenhuma daquelas senhoras de tal se lembrou de a reconstruir ou sequer teriam olhado aquele espaço, das suas janelas adamascadas?
É de facto um jardim magnífico, apesar de um pouco desleixado, onde os não eleitos podem deliciar-se e assim, de uma outra forma, tornarem-se eles próprios um tipo diferente de eleitos.
Um jardim magnífico a precisar de muita atenção!
Obrigado pela partilha.
Boa semana.
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