Festival amarelo de Paredes de Coura
Narcissus cyclamineus DC.
A festa anual de música (alternativa, dizem eles) em Paredes de Coura não alegra só os que, nos cálidos verões, se extasiam com baterias tonitruantes e potentes bels de guitarra. O público hedonista, sem o saber, mantém parte daquele local arejado de relva e de outras plantas competidoras e, ao conformar-se à proibição de aceder a algumas áreas sensíveis, permite que, entre Fevereiro e Março, decorra um outro festival: o do narciso-de-trombeta, a que os locais que o conhecem — surpreendentemente não todos os habitantes da vila — chamam martelinhos.
É uma planta bolbosa que pode atingir trinta centímetros de altura, com folhas basais lineares, erectas e acanaladas. As flores solitárias, no cabecear típico do género, nascem protegidas por uma bráctea esbranquiçada e longa que cobre o botão antes de ele abrir; e que logo murcha para que as seis tépalas se revirem para trás sem esforço (justificando assim o epíteto) e cubram maternalmente o ovário. A corola é um tubo quase cilíndrico de um a dois centímetros de comprimento com remate crenado. Ainda não havia frutos; esperam-se muitas cápsulas de sementes angulosas e escuras.
Este narciso é um endemismo do noroeste da Península Ibérica, tido como vulnerável no Catálogo Galego de Especies Ameazadas. Em Portugal, está legalmente protegido por decreto-lei depois que uma directiva europeia o descreveu em perigo de extinção. Restringe-se às terras de Coura, às serras do Caramulo e da Freita, e ao complexo Pias/Santa Justa/Castiçal em Valongo; em Espanha só ocorre na Galiza. Tirando as do concelho de Paredes de Coura, as populações são em geral pequenas, em nichos que se estão a degradar por pressão humana. Esta herbácea necessita de prados húmidos e margens de riachos com sombra, e estes estão a ser ocupados para aproveitamento agrícola porque os antigos lameiros, atravessados por regatos de água fresca, já rareiam.
Conta A. Fernandes, no Anuário da Sociedade Broteriana de 1953, que, num impulso de empreendedorismo como por vezes assalta os portugueses, quando este narciso foi primeiramente descoberto, em 1881, em Valongo, se iniciou uma colheita desenfreada de bolbos para venda. Logo depois foi considerado extinto. Embora ali reencontrado décadas mais tarde, a pequena população que dele subsiste no vale do rio Ferreira é segredo bem guardado.
Contudo, é possível encontrar em floristas narcisos semelhantes. Têm, cremos, proveniência honesta. Pelo formato peculiar, o N. cyclamineus foi escolhido como progenitor de vários híbridos de jardim que os criadores engrinaldaram com nomes de fantasia: Dove Wings, February Gold, Reggae ou Little Witch.
5 comentários :
Narcissus cyclamineus, nunca o vi... Adivinha-se ainda mais belo, através das palavras da Maria e da coroa esguia com gotinhas de chuva.
Obrigado!
Ana Júlia Pereira
Precisámos de andar em bicos de pés tantos eram os narcisos nos lameiros junto aos regatos. Mas pressente-se que é um encanto que precisa de resguardo.
E abrimos uma flor que estava caída: contámos seis estames curtos com anteras em forma de seta - de Cupido, claro – a rodear a base de um estilete longo com o estigma rígido. Detalhes que, com o hábito pendente da flor, talvez privilegiem a polinização cruzada.
Por vós informado pude finalmente juntar este narciso à lista dos que já fotografei em estado selvagem; receei ter chegado tarde quando vi alguns a frutificar; mas lá estavam eles em flor quase na lama do rio; de facto é belíssimo.
Obrigado pelo que vão ensinando a leigos como eu mas também pela forma como o fazem aqui.
Um leitor de recente aquisição.
Carlos Silva
Talvez um dia possa revelar-nos que espécies de narciso silvestre já fotografou. A nossa lista ainda é curtinha.
Olá, Maria (só hoje vi o seu comentário)
De certeza que se a v/lista é curtinha a minha é ainda mais;mas nem sei ao certo;terei que verificar;a verdade é que 'as minhas rotas',num misto de 'botânica&geocaching'com amigos (Os Cacheiros Viajantes)ou a solo normalmente não abrange os narcissus precoces no ano pelo que esses falhar-me-ão.Mas dar-vos-ei novas caso as tenha efectivamente.
Carlos Silva (um deliciado com as v/ apresentações botânicas)
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