O que os burros comem
É consensual a apreciação pelas muitas formas, perfumes e cores das flores. Mas nem todas as flores são igualmente vistosas — vejam-se as das gramíneas, dos carvalhos ou dos pinheiros — e há mesmo algumas sem pétalas. Em geral, as flores mais sofisticadas e pigmentadas são de espécies que competem arduamente por polinizadores para assegurarem uma fertilização cruzada, oferecendo-lhes néctar e atraindo-os com aromas tentadores e matizes subtis nas pétalas. À luz dos argumentos evolucionistas, isto significa que estes atractivos deram a estas plantas benefícios e vantagens na disseminação e, por isso, esses traços se tornaram permanentes na espécie. Essa competição entre flores, é, crê-se, um dos motivos para a espantosa variedade morfológica que elas hoje exibem.
Contudo, ainda há plantas sem flores (como os fetos), e outras em que as flores se reduzem a um ovário onde se forma a semente, em geral nu ou com pouca protecção, e/ou a um estame com pólen para o fertilizar (como na Ginkgo biloba). Na verdade, isto é o essencial de uma flor e, antes de os insectos surgirem na Terra, não era preciso mais. Mas, por regra, não convém à planta ser fecundada pelo pólen dos seus próprios estames, pois um tal procedimento não favorece a diversidade, tão útil num mundo em mudança. Com a chegada dos insectos, não era só o vento que transportava pólen de umas flores para outras: as plantas que, por algum detalhe, garantiam mais visitas de polinizadores, não só obtinham sementes mais vigorosas e descendência mais numerosa, como conseguiam que esse detalhe passasse às gerações seguintes, perpetuando o sucesso.
Mas de que cor eram as primeiras pétalas? Se as flores mais primitivas não tinham pétalas (componente da flor com a tarefa de atrair, pela cor, brilho e desenho, o polinizador), como surgiram? Os cientistas acreditam que as estruturas reprodutivas da flor (ovário e estame) nasceram como folhas com função reprodutiva. Verdes ou amareladas, portanto, a julgar pela cor que vemos hoje na maioria das folhas, dos estames e do pólen. E admitem como plausível que as pétalas tenham evoluído a partir de estames modificados, que se destacaram da coluna central da flor e que, enquanto perdiam a função reprodutiva, se alargavam e achatavam para tornarem a flor maior e, por isso, mais facilmente detectável. Assim sendo, parece razoável supor que as primeiras pétalas fossem esverdeadas ou amarelas, o que talvez justifique que uma grande parte das flores mais simples (com simetria radial e pétalas dispostas em prato ou taça, adaptadas a qualquer polinizador) sejam desta cor. Aos poucos, por pressão adaptativa aos polinizadores ou ao ambiente, a flor foi-se vestindo para maior protecção (com brácteas, sépalas ou capuzes a guardar a estrutura reprodutiva dos predadores), foi ganhando formas ajustadas a certos insectos (como os esporões compridos que só as "trombas" alongadas de certas borboletas conseguem sugar) e foi adoptando outras cores (rosa, vermelho, púrpura, roxo, violeta, azul, ou o branco nacarado para as flores polinizadas pelas borboletas nocturnas). Pormenores que actuam como sinais para os polinizadores, avisando-os de que aquelas flores têm mais néctar ou é mais fácil recolhê-lo.
E vieram as margaridas, em que as flores exteriores dos capítulos são estéreis e funcionam como chamarizes para benefício de toda a inflorescência — o que relembra os estames estéreis que se transformaram em pétalas com a única tarefa de tornarem a flor mais atraente. Apareceram depois flores com várias cores ou com um padrão variegado como o que se vê nas fotos, em que as pintas ou riscas (por vezes em relevo) guiam o polinizador até ao néctar. Este, colocado em posição estratégica, obriga o insecto guloso a polvilhar-se de pólen ou a deixar no estigma o pólen que traz de outra flor. E, claro, mais recentemente surgiram as formas sedutoras das orquídeas, cujas versões monocromáticas, tão apreciadas, são, em certo sentido, um retrocesso.
Consta que o Onobrychis deve o seu nome a uma associação com os jericos, mas não pudemos confirmar essa informação. O hábito prostrado é, por certo, o único modo de se defender da ventania atlântica que sopra pelas falésias de Cascais onde a avistámos.