Uma Volutaria por outra
Nos jornais portugueses, são raras as notícias sobre a flora lusitana e a natureza é, jornalisticamente falando, uma paisagem incompreendida e mal etiquetada. Aos poucos redactores que os jornais ainda empregam não se perdoaria a desatenção face ao notável programa de conservação do lince ibérico no Vale do Guadiana. Mas, quanto a plantas, elas são mencionadas aquando dos grandes incêndios, sendo então referidas colectivamente como floresta, ou são capa dos suplementos dos jornais ao fim-de-semana como vegetais cozinhados. Decerto por insistirem nesta abordagem superficial da flora, os jornais portugueses perderam recentemente duas excelentes notícias:
1. Portugal deixou de integrar a lista de países europeus (eram 3) que não têm uma lista vermelha da sua flora nativa. Apresentada oficialmente a 13 de Outubro, a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental é o resultado de vários anos de trabalho de uma equipa diligente de botânicos que, com o apoio de amadores, conseguiu elaborar um mapa muito fiel da distribuição e do nível de ameaça a que estão sujeitas mais de 600 espécies de plantas nativas em Portugal continental. O país possui finalmente um guião detalhado para uma acção concertada de conservação de habitats e espécies da sua flora espontânea.
2. No âmbito do esforço de prospecção botânica que a elaboração desta lista vermelha exigiu, reencontrou-se uma pequena população de uma asterácea muito rara, a Volutaria crupinoides, planta de locais pedregosos e secos de origem calcária, de que, no continente europeu, só há registo em Portugal. Os poucos indivíduos (que não conhecemos) ocupam uma área muito reduzida nas arribas marítimas da serra da Arrábida.
O género Volutaria é essencialmente tropical, com um ascendente comum asiático, havendo registo de cerca de 18 espécies distribuídas pelo norte de África, região mediterrânica, Ásia, Península Ibérica e ilhas Canárias. São herbáceas anuais que se têm disseminado com sucesso após o aparecimento nessas regiões de vastas zonas abertas com vegetação rala e regimes de precipitação semi-desérticos.
Nas Canárias, onde pouco chove e já quase não há rios, contam-se duas espécies endémicas de Volutaria (V. bollei, de Lanzarote e Fuerteventura, e V. canariensis, presente em todas as ilhas), além de populações de V. tubuliflora.
Os capítulos florais deste género são muito vistosos, com cálices penugentos e flores hermafroditas ao centro, notando-se outras, estéreis e grandes, no bordo (enfeites que decerto tentam os polinizadores). A floração dos exemplares de V. canariensis que vimos em Maio de 2019 em Tenerife estava quase terminada, e há que aguardar que a pandemia deixe de ser notícia para os vermos mais floridos.