Perpétuas de outras praias
Em Tenerife, ao longo de toda a linha costeira, em zonas de mato baixo ou em substratos arenosos, este pequeno arbusto prateado, profusamente florido nos meses da Primavera, cumpre o papel que nas praias do continente europeu está reservado à perpétua-das-areias (Helichrysum italicum). É a mesma folhagem linear, a mesma ramificação desordenada, os mesmos capítulos desprovidos de «pétalas» — e é, sobretudo, o mesmo amarelo dourado alegrando habitats semi-desérticos. De facto, os dois arbustos pertencem à mesma divisão (ou tribo) da família das asteráceas, tribo essa que, grosso modo, se caracteriza pelos capítulos só com flores tubulares formando corimbos mais ou menos densos. Fazem também parte da tribo arbustos como o alecrim-dos-paredes (Phagnalon saxatile) e ervas ruderais como o Pseudognaphalium luteo-album. São plantas generosas em néctar que devem o seu sucesso na natureza às honestas relações de proveito mútuo que estabelecem com os polinizadores.
O francês Alexandre Henri Gabriel de Cassini (1781-1832), que em 1823 cunhou o nome Schizogyne (que significa fêmea fendida, numa alusão à morfologia das flores femininas), admitiu que o novo género era muito próximo de Phagnalum; mas, quebrando a tradição, preferiu não usar um anagrama dessa palavra para o baptizar. Já então um quase anagrama, Gnaphalium, era o nome válido de um género botânico, e dentro da mesma tribo são vários os anagramas de Filago (por exemplo, Logfia e Ifloga) que também designam géneros botânicos.
A Schizogyne sericea, espontânea em todas as ilhas das Canárias à excepção de Fuerteventura, e conhecida no arquipélago como «salado blanco», só não é um endemismo canarino por ter sido assinalada nas Selvagens. Se não fosse esse percalço geo-político, o próprio género Schizogyne seria exclusivo das Canárias, já que a única outra espécie conhecida é endémica da Grã-Canária. Trata-se da Schizogyne glaberrima (fotos em baixo), que pelo tom verde da folhagem se distingue facilmente da sua congénere, e que no vernáculo local é apropriadamente chamada «salado verde».
Misteriosamente, Cassini, no mesmo artigo em que inagura o nome Schizogyne, descreve uma espécie, S. obtusifolia, que seria hoje a terceira do género se a sua existência fosse reconhecida. Cassini baseia a descrição em material guardado no herbário de um Sr. Mérat, e a incerteza quanto ao local de colheita chega a ser cómica: pode ter sido nas ilhas Maurícias ou em Tenerife, ou ainda no Cabo da Boa Esperança. Contudo, a planta que Cassini descreve corresponde, com quase perfeita exactidão, àquela que hoje conhecemos como Schizogyne sericea, nome que lhe foi atribuído apenas em 1836 por Augustin de Candolle (1778–1841). Não sabemos por que razão Candolle, que obviamente conhecia o trabalho de Cassini, achou necessário o novo nome, mas é improvável que Cassini tenha descrito uma planta cujo paradeiro actual seja desconhecido. Certos portais de referência insistem porém que Schizogyne obtusifolia é um nome válido, e sustentam mesmo que a planta em questão é endémica de Tenerife (exemplos: 1, 2). Contudo, esse nome não é incluído em nenhuma listagem actual da flora do arquipélago (exemplos: 3, 4).