15/08/2021

Férias


regressamos em Setembro

08/08/2021

Perpétuas de São Lourenço



Voar na TAP do Porto para a Madeira, com partida às seis da manhã e chegada antes das oito, rouba-nos uma noite de sono mas compensa-nos, em circunstâncias normais, com um dia extra para passear na ilha. No dia 1 de Maio, porém, ainda havia, a pretexto da pandemia, recolher obrigatório às seis da tarde e encerramento do comércio às cinco. No dia seguinte, tendo o vírus comunicado às autoridades regionais uma mudança no seu horário de actividade, a interdição de circular ou permanecer no espaço público passaria a vigorar apenas a partir das onze da noite. Fazer o trilho da Ponta de São Lourenço pareceu-nos um bom modo de aproveitar, no dia da chegada, as quatro ou cinco horas de liberdade que nos restavam após o almoço. Com o andar vagaroso e as muitas paragens para fotografar plantas, ficámos a mais de 1 km da meta — noutro regresso faremos o resto do caminho. Já depois das 17h, e antes de nos metermos no carro para o regresso, ainda chupámos uns gelados, arriscando o vendedor uma repreensão ou multa pela patrulha da GNR que por ali rondava. Destes tímidos assomos de rebeldia se faz a coragem de um povo manso.

Helichrysum devium J. Y. Johnson


Apesar do seu aspecto desértico, não faltam à Ponta de São Lourenço motivos de interesse botânico, e são várias as plantas exclusivas deste acidentado apêndice rochoso no extremo oriental da Madeira. Um exemplo são as vistosas estreleiras, diferentes das do resto da ilha pela forma compacta (em "almofada") e pelas folhas carnudas. O mesmo porte agachado, óbvia adaptação ao habitat ventoso e agreste, é assumido pela perpétua-de-São-Lourenço, um arbusto de folhas acetinadas com capítulos de flores castanho-purpúreas, muito escuras, rodeadas por brácteas brancas, papiriformes. De seu nome Helichrysum devium, é muito semelhante ao Helichrysum melaleucum, presente no Porto Santo e na Madeira e frequente nessas ilhas numa grande diversidade de habitats. Contudo, os dois congéneres distiguem-se facilmente pelo porte (o Helichrysum melaleucum é, em geral, bem mais alto e com ramificação mais aberta), pela folhagem (as folhas do H. devium têm três nervos longitudinais - ver 2.ª foto acima - e as do H. melaleucum só têm um) e até pelo local onde moram (o H. devium só ocorre na Ponta de São Lourenço e falésias costeiras próximas, lugares esses que o H. melaleucum não frequenta).

Não sendo difícil de observar em São Lourenço ao longo do trilho, o Helichrysum devium não é de modo nenhum abundante, e só avistamos os primeiros exemplares depois de caminharmos umas boas centenas de metros. O seu período de floração é curto, decorrendo entre Março e Abril, mas no dia 1 de Maio, com a maioria das plantas frutificadas, ainda algumas flores se deixaram fotografar. Uma segunda espécie endémica do género, Helichrysum obconicum (foto em baixo), que se distribui mais amplamente pela ilha, também se encontra aqui e ali na Ponta de São Lourenço, acontecendo por vezes as duas perpétuas crescerem lado a lado. Pena que a floração das duas esteja desfasada: a do H. obconicum é outonal, com isso se perdendo a oportunidade de contrastar as suas flores douradas com as flores negruscas do H. devium.

Helichrysum obconicum DC.

01/08/2021

Orquídeas da serra e da rocha

Acontece-nos com a flora da ilha da Madeira o que por vezes sucede ao reencontrarmos uma pessoa que conhecemos noutras circunstâncias: temos uma vaga lembrança da cara, hesitamos no nome, e a ajuda para nos poupar o embaraço só chega, por vezes tarde de mais, quando a memória nos revela de onde a conhecemos. Na flora madeirense, alguns arbustos lenhosos têm uma tal semelhança com plantas continentais que juraríamos serem com elas aparentadas. E são, embora as primas continentais, postas em contraponto, não passem de herbáceas frágeis e mirradas. Na ilha, resultado de um processo muito bem sucedido de adaptação a um novo habitat, as espécies que julgamos idênticas às continentais produzem indivíduos vigorosos, com flores grandes ou inflorescências vistosas, frequentemente com a folhagem densa e acumulada na ponta dos galhos para se elevarem na floresta.

A ilha da Madeira é sem dúvida um dos refúgios de flora mais notáveis e bem conservados. Para além do que resta das lauráceas que (antes de nascerem o mar Mediterrâneo e o deserto do Saara, e de várias crises climáticas assolarem o planeta) também existiram no que é hoje o sul da Europa e o norte de África, há na ilha da Madeira inúmeras espécies endémicas de géneros que ainda ocorrem no continente. É o caso de duas orquídeas que começam a florir no fim da Primavera.

Orchis scopulorum Summerh. (com Ranunculus cortusifolius)
Orchis scopulorum


A primeira é rara e vive, em regra, acima dos 1100 metros, em escarpas rochosas (daí o epíteto scopulorum) expostas aos ventos alíseos de nordeste e aos andares de nuvens, que arrefecem a encosta norte e a zona montanhosa central da ilha da Madeira. Estes ingredientes atmosféricos provocam uma «chuva horizontal» quase permanente, responsável pela manutenção do extraordinário coberto vegetal desta região da ilha. Do género Orchis, que em Portugal abriga onze espécies, esta orquídea pode chegar aos 65 cm de altura e exibir uma espiga com duas dezenas de flores. O labelo é mais pálido do que os outros segmentos da flor, criando um contraste de cor que decerto não passa despercebido aos polinizadores. As primeiras fotos são do Pico do Areeiro, num momento raro em que uma das nuvens se rompeu e destapou o sol; as duas últimas são de plantas junto à levada do Caldeirão Verde (a uma altitude anormal para a espécie), onde, no início de Maio, a floração já ía mais avançada.

Pico do Areeiro
Levada do Caldeirão Verde
A segunda orquídea endémica da Madeira é do género Dactylorhiza, de que se conhecem 4 ou 5 espécies em Portugal continental. Pode atingir 80 cm de altura, e nota-se bem nos bordos dos caminhos da floresta pelas folhas basais longas (cerca de 35 cm), lustrosas e em tom verde escuro. A inflorescência é cónica ou cilíndrica, composta às vezes por umas 50 flores de cerca de 3 cm de diâmetro, cujo labelo é marcado por um padrão de pintas que traz à memória o das espécies continentais do mesmo género. Dizem que é comum na laurissilva, entre os 500 e os 1500 metros de altitude, e na nossa visita encontrámos muitos exemplares na floresta temperada do til (Ocotea foetens), mas não vimos nenhum florido. [Julgámos que sim, mas o João Farminhão detectou de imediato que as flores que lá fotografámos eram de Orchis scopulorum.]

Til monumental [Ocotea foetens (Aiton) Baill.] & folhas de Dactylorhiza foliosa (Rchb. f.) Soó
Fajã da Nogueira — laurissilva do til