Hibisco dos arrozais
O rio Pranto mostra, perto da foz, a placidez de um resignado. É um dos últimos afluentes do Mondego e, em Alqueidão, junto à Figueira da Foz, entrega a água com vagar, recriando um pântano gigantesco que por vezes engorda até verter. É um pasto de mosquitos multi-variantes, mas também um refúgio de garças, corvos e flamingos. Desse pachorrento caudal aproveitam os extensos arrozais do Baixo Mondego, num amanhar intensivo da terra que lamentavelmente não dispensa o uso de químicos nem o de máquinas ruidosas para guiar a água. Mas é precisamente na proximidade destes arrozais, em bermas de caminhos margosos ou nas margens de canaviais que juraríamos impróprios para quem aprecia estar vivo, que está a única população portuguesa conhecida deste fantástico arbusto.
Quando vimos estas plantas no início de Junho, não estavam ainda em flor e a folhagem tinha um aspecto desolador. As folhas, esbranquiçadas na face inferior e com um hábito pendente, pareciam prontas a desabar. Mas um mês depois, como se salvas, exibiam lindas flores solitárias, de enormes pétalas rosadas com uma mancha branca (ou púrpura) na base e um duplo cálice a protegê-las.
Criticamente em perigo, diz o Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal. Não nos surpreende: apesar de ser uma espécie perene, o núcleo conhecido tem cerca de 150 indivíduos e está em declínio, ameaçado pela expansão do regadio, pela limpeza descuidada da vegetação e pela degradação do habitat.
Na Península Ibérica, o Hibiscus palustris tem uma distribuição restrita à Cantábria e à população portuguesa na Beira Litoral. Talvez esta se extinga se avançar o projeto de regadio no vale do Pranto. Que os decisores, frequentemente sem memória útil, não digam mais tarde que não foram avisados deste risco.