27/07/2005

O ulmeiro da Cordoaria #1

Na sua última crónica, Germano Silva traça-nos a história do espaço onde actualmente existe o Jardim a que nos habituámos a chamar da Cordoaria e evoca o seu famoso ulmeiro, também ele "pertencente à história":
«(...) Com o seu jardim descaracterizado, maltratado, vilipendiado, a Cordoaria, vamos continuar a dizer assim, é, ainda, e sobretudo, uma página da história portuense. Porque a memória não se apaga.
O verdadeiro padrão dessa praça foi um "ulmus" famoso, uma curiosidade bairrista sem a expressão e o pitoresco de um monumento de verdade, mas ainda assim popular e venerando. Essa árvore velhinha, plantada em 1612 e que só morreu (de pé) mais de trezentos anos depois; que resistiu a muitos temporais e saiu incólume de um incêndio; que deu sombra e pousio a várias gerações; sofreu uma calúnia grave acusaram-na de ter cedido um dos seus mais possantes ramos para nele serem enforcados ladrões, bandidos e arruaceiros. Tudo mentira. Na chamada "árvore da forca" nunca alguém foi pendurado.
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Claro que a leitura da crónica despoletou a lembrança de outros textos que falam sobre a histórica árvore e não perco a oportunidade os divulgar.
O facto de esse ulmeiro vetusto, desaparecido em 1986, ter ficado conhecido pela "árvore da forca" deve-se provavelmente à circunstância de realmente se ter procedido nas suas imediações à execução de sentenças em que os condenados eram enforcados, e eventualmente também à própria forma das pernadas que iam sobrevivendo e do tronco.
Ainda em 1984, ou seja dois anos antes de este ulmeiro quadricentenário perecer, Ernesto Goes repete essa ideia e escreve : «Ulmeiro do Jardim da Cordoaria , no Porto, com 6,80 m.. de P.A.P., sendo o mais grosso que conhecemos. Esta árvore é muito conhecida no Porto pela "árvore da forca", onde eram enforcados os condenados à pena capital, antes de esta ter sido abolida em 1840. Ainda hoje é bem visível o cadafalso, ou seja o patamar resultante do corte do tronco a 5 m. de altura de onde eram empurrados os condenados à morte. (...)»

Foi uma das primeiras 14 árvores classificadas de interesse público, logo em 1939, e uma das três que na cidade do Porto ficaram então ao abrigo desse estatuto, como já aqui se escreveu.

Em 1885, num texto em que resume a história desta árvore velhinha e todas as vicissitude por que passou, José Duarte de Oliveira Júnior, curiosamente, não fala de enforcamentos mas sim de decapitações e sugere que nesse Outono se colhessem algumas sementes «para por via d'elas, se perpetuar tão famoso vegetal, e que no dia 14 de Outubro de 1886 se disponham quatro destas árvores ao lado das quatro entradas principais do actual jardim, increvendo-se, próximo de cada uma essa data sanguinolenta: 14 de Outubro de 1757.» e acrescenta:
«Agora, não; porém, mais tarde, a história ocupar-se-á dessas vergonteas que são prolongamento da vida de um ser que bem do alto observou o que as gerações actuais comentam por diversas formas.
Enquanto esse colosso vegetal viver, enquanto ele tiver um único sinal de vida, cuide-se dele como de um enfermo que bate às portas da morte, como do parente extremoso que está próximo de exalar o derradeiro suspiro, e mesmo depois de morto conserve-se ali o seu tronco, considerando-o uma relíquia da cidade; mas hoje coloque-se-lhe ao lado um lápide com esta singela inscrição:

"Árvore da Liberdade
Nasceu em 1611
viu decapitar muitos inocente
e vive ainda em fins do séc. XIX
rodeada dos carinhos de um povo culto."
Os povos têm hoje amor pela tradição, e é necessário repeitá-la.»
Duarte de Oliveira Júnior in "A Árvore da Cordoaria"- "Chronica horticola-agricola", Jornal de Horticultura Prática, Vol. XVI, 1885 (p. 58)

2 comentários :

Anónimo disse...

«Com o seu jardim descaracterizado, maltratado, vilipendiado, a Cordoaria, vamos continuar a dizer assim, é, ainda, e sobretudo, uma página da história portuense. Porque a memória não se apaga.»
Não se apaga a memória mas apaga-se impunemente a história! E a propósito o que tem a dizer o autor da crónica, sobre a intervenção nos Aliados? Ele, Helder Pacheco e alguns outros/as de que se esperaria alguma manifestação e cujo silêncio muito se estranha!!!
S.(de Sementinha :-)

Ponto Verde disse...

Excelente artigo.