25/01/2010

Carvalho airoso

Quercus x airensis Franco & Vasconcellos [= Quercus x auzandrii nothosubsp. airensis]


A azinheira de bolotas doces — Quercus ilex L. subsp. ballota (Desf.) Samp. para os que a consideram uma subspécie, ou Quercus rotundifolia Lam. para os taxionomistas que lhe conferem estatuto de espécie — é uma árvore perenifólia que pode atingir os 12 m de altura mas raramente ultrapassa o porte arbustivo. Tem ritidoma cinzento fendido e folhas elípticas de margens inteiras (as jovens dentadas e levemente espinhosas), contorno curvado, cor verde embaciada na face superior, penugem densa e branco-amarelada no verso. As bolotas têm carapuça curta de interior acetinado. É um endemismo da Península Ibérica e noroeste de África, abundante em montados e bosques. Floresce de Março a Junho e forma híbridos naturais com outros carvalhos. A combinação do Q. rotundifolia com o carrasqueiro, Q. coccifera L, é o carvalhinho da Serra de Aire (e da de Candeeiros) que Franco e Vasconcellos designaram, em 1954, por Q. x airensis. É um arbusto que não arrisca mais de 4 m de altura, com raminhos jovens cobertos de pêlos estrelados, folhas coriáceas, ovadas, dentado-espinhosas, cinzento-esverdeadas, com penugem em ambas as faces. A bolota é longa, a cúpula tem escamas imbrincadas mas pouco levantadas (não sai ao Q. coccifera) e interior acetinado (como no Q. rotundifolia).

Estão a interromper-nos com um resmungo em tom de barítono: se o Q. rotundifolia se classificar como subspécie Q. ilex L. subsp. ballota, então o misto dele com o carrasqueiro não pode ser designado por nome binário, tem de ser Quercus x auzandrii nothosubsp. airensis Gren & Godr.

Sssim, ssssenhor, mas de onde vem este auzandrii? Da azinheira, asseguram-nos. É que ela tem duas formas que, não admira, isto tem mesmo de ser difícil, quase se confundem: a Q. ilex subsp. ballota e a subspécie Q. ilex subsp. ilex (ou simplesmente Q. ilex L.). Esta é a azinheira comum no norte da Península e região mediterrânica, de folhas lanceoladas e pontiagudas, as jovens serradas mas não espinhosas, que pode chegar aos 27 m, aprecia bosques de clima temperado e húmido e solo calcário, e floresce de Abril a Junho. Contudo, a azinheira no monte é diferente da do herbário; lá encontramos não só muitos exemplares intermédios a estas duas versões, que se enlaçam sem transições bruscas, como indivíduos em que as duas morfologias estão presentes. Para complicar a história, também esta versão de azinheira se cruzou com o carrasqueiro, esse galaroz, e nasceu o Quercus x auzandrii Gren & Godr., que tem folhas e bolotas de morfologia e pilosidade que são, como seria de esperar, uma média das características dos progenitores.

E nothosubsp.? Vem do grego nothos, falso, e da abreviatura de subspécie. Percebemos-lhe a intenção: um híbrido não tem direito a ter como subespécie um outro resultante do cruzamento de diferentes progenitores. Este meio-irmão só seria uma verdadeira subespécie se resultasse de uma modificação evolutiva do próprio híbrido. Alguém discorda desta interpretação?

2 comentários :

Estevão Portela-Pereira disse...

Único comentário: ;) (fantástico). Apenas ressalvo uma gralha no início da descrição da Q. rotundifolia "mas raramente ultrapassa o porte arbustivo"! será "raramente, não ultrapassa o porte arbustivo"?

No entanto, queria açucarar a coisa: com base na opinião de outros botânicos portugueses e na consulta da descrição original de Q. x auzandri [http://www.biodiversitylibrary.org/item/29512#page/126/mode/1up], parece evidente que Q. airensis é um táxone diferente deste, quiçá um híbrido já estabilizado. O que é certo é que é bem mais fácil de identificar (no campo e nomeadamente na Primavera) do que, p.e., separar o Q. rivazmartinezii, outro carrasco (o "carrasco-arbóreo") do carrasco-comum/carrasqueiro. Agora pergunto: "o carrasco-airoso" será também (como o carrasco-arbóreo) um endemismo lusitano?

Carlos disse...

Isto se efectivamnte se confirmar que os parentais de Q. xaunzandrii são Q. ilex e Q. coccifera...As plantas de herbários que consultei envolvem sempre Q. rotundifolia ou Q. ilex balota se preferirem...Pode ser q Q. xairensis seja apenas um sinónimo de Q. xauzandrii (nome mais antigo) ou ainda resultante da complexa introgressão dentro de Q. coccifera s.l. no Oeste Ibérico... N é descabido que o táxone Q. rivasmartinezii esteja envolvido na formação de Q. xairensis...O typus de Q. xauzandrii é da catalunha, onde existem ambas as azinheiras (Q. ilex e Q. rotundifolia) pelo que apenas ter o typus na mão pode resolver o imbróglio!