31/10/2011

Ponta da Fajã


Ponta da Fajã, ilha das Flores: quintal abandonado com Equisetum telmateia e Colocasia esculenta (= inhame)

Mais um passo na mesma direcção e a Europa acaba. Não se apoquente o leitor: aludimos a um simples facto geográfico, não à impiedosa crise que sobre nós desabou. A ilha das Flores ainda é Europa, pelo menos politicamente (de outros pontos de vista há quem tenha dúvidas, alegando qualquer coisa sobre "placas continentais"). E daqui para oeste até às Américas não há outro pedaço desgarrado do continente europeu. A costa ocidental das Flores e a freguesia da Fajã Grande marcam um limite inultrapassável para os europeus sem passaporte.

A estrada que desce para a costa da Fajã Grande prolonga-se ainda por dois quilómetros até à Ponta da Fajã. À nossa direita desenrola-se o paredão contínuo da falésia com centenas de metros de altura, rasgada por ribeiros alegremente suicidas na pressa de encurtar caminho até ao mar. Na plataforma verdejante da fajã há casas agora só de recreio e campos de cultivo abandonados ou convertidos em pastagens. Vêem-se anúncios de casas para venda, quem sabe se ao preço da chuva, mas qualquer dia acontece um desabamento (muito por culpa do excesso da dita) e fica tudo soterrado. Talvez o cavalo magricela a pastar naquilo que foi em tempos um jardim ainda tenha agilidade para se pôr a salvo.

Equisetum telmateia Ehrh.
A juntar às omnipresentes (e daninhas) exóticas invasoras, há também plantas nativas que têm vindo a recolonizar campos abandonados. Consola ver, aqui na Ponta da Fajã, o vigor com que o Equisetum telmateia se tem espalhado, ocupando em formação cerrada quintais e linhas de água. Trata-se da versão gigante (até 2 metros de altura) do rabo-de-cavalo (Equisetum arvense). Além de ser espontânea nos Açores, é uma planta quase cosmopolita, amiga de lugares húmidos, presente na Europa, Ásia, norte de África e América do Norte.

Tal como o seu congénere, o Equisetum telmateia faz brotar hastes de dois tipos. As férteis surgem entre Março e Abril: têm menos de 50 cm de altura, não são ramificadas, apresentam uma coloração acastanhada e são encimadas pelos cones que contêm os esporângios; desaparecem depois de cumprirem o seu papel reprodutor para serem substituídas pelas hastes estéreis (as que se vêem nas fotos), que persistem até Outubro.

O Equisetum telmateia é também, em Portugal, cidadão do continente, concentrando-se sobretudo na Estremadura, Beira Litoral e Costa Vicentina. Duas espécies adicionais (E. palustris e E. ramosissimum) completam o contingente lusitano de uma família botânica que, tendo sobrevivido a 150 milhões de anos de convulsões do planeta, se aguenta por cá com dificuldade, vítima do desaparecimento ou degradação dos habitats húmidos a que se acolhia.

5 comentários :

Anónimo disse...

Belo de ver. Simbólico, em vias de desabar pelas pressas de "fazer dinheiro", o lugar mais ocidental da velha Europa...
E contudo, há algo dentro de nós que se (co)move.
Abçs da bettips

Luz disse...

Olha!... Cavalinha... Adoro o chá! E tantas árvores de Natal a brincar fiz em Leiria, durante as férias de verão da minha infância. Aqui na zona de Sintra nunca encontrei, mas nos pinhais ao redor de Leiria havia muita... Este blog tem mesmo o condão de me deixar bem disposta!
Continuação de bo trabalho
Luz

Luz disse...

PS- Se calhar não é cavalinha... Eu entusiasmo-me com as fotografias e depois quando leio os posts apercebo-me que afinal nem tudo é o que parece... Na aldeia da minha mãe, nos aredores da Batalha,junto às linhas de água, há umas plantas como estas, a que sempre chamei cavalinha... Mas não têm, nem por sombra, dois metros de altura. talvez as maiores tenham 70 cm...
Desculpem a minha ignorancia:(((

Paulo Araújo disse...

A "cavalinha" deve ser o Equisetum arvense. Há outras diferenças com o E. telmateia além do tamanho (que é difícil de avaliar nas fotos), mas de facto são muito parecidos. Não é ignorância nenhuma confundi-los.

ZG disse...

Belo post!!