Cardo de outras areias
O cardo-marítimo, de seu nome científico Eryngium maritimum, é uma planta moderadamente espinhosa que consegue ser tão azul como o mar que lhe está próximo. Chamamos-lhe cardo por causa dos espinhos (um aviso aos veraneantes para estenderem as toalhas noutro lugar), mas, ao contrário da maioria das plantas que conhecemos por esse nome, não pertence à família das asteráceas (ou "malmequeres"). Se não fosse já tarde para mudar a língua, seria melhor deixarmos de lhe chamar cardo — como possível alternativa, sugerimos azulino-das-areias. Os cardos reconhecidos como tal deveriam todos pertencer à família correcta; e então o legítimo cardo-marítimo ou cardo-das-areias seria aquele com que ilustramos esta conversa. Teria contudo o óbice de, em Portugal, surgir apenas nos areais costeiros e pinhais litorais do centro e do sul, e de ser, em geral, bastante mais raro do que o azulino, que preenche toda a costa portuguesa de Caminha a Vila Real de Santo António.
O Carduus meonanthus, planta bienal que pode ultrapassar um metro de altura, foi descrita originalmente em 1825 por Hoffmannsegg & Link no tomo II da pioneira Flore Portugaise (disponível aqui), a partir de exemplares colhidos pelos autores nos arredores de Lisboa e de Setúbal. O epíteto meonanthus significa "flores menores", entendendo-se que a maioria das espécies do género Carduus terá capítulos florais mais avantajados. Não é esse porém o caso do Carduus tenuiflorus, um cardo ruderal que é abundante de norte a sul do país. Tenuiflorus tem um sentido quase análogo ao de meonanthus: significa "flores estreitas". De tenuiflorus para meonanthus passamos do latim para o grego, mas os dois epítetos situam-se no mesmo campo semântico. A coincidência terá sido propositada, pois, como se pode verificar por estas fotos, os dois cardos (C. meonanthus e C. tenuiflorus) são muito semelhantes, tanto no porte geral como no tamanho e disposição dos capítulos. A diferença mais notória é que as folhas do C. meonanthus são bastante mais estreitas do que as do C. tenuiflorus, e têm um número maior de dentes ou espinhos; há também diferenças na forma dos capítulos e das brácteas involucrais.
Nesta altura há-de o leitor resmungar que só por pedantismo não assinalámos ainda uma distinção óbvia: o nosso Carduus meonanthus tem flores brancas, enquanto que o C. tenuiflorus as tem cor-de-rosa. Por muito que nos custe admitir, o critério da cor das flores, tão simples de usar por um leigo (e tantas vezes desdenhado por especialistas habituados a lidar com as plantas secas de herbário, que há muito perderam a cor) não tem, neste caso, qualquer significado. É que o Carduus meonanthus costuma dar flores cor-de-rosa, e só muito raramente dará flores brancas. Nada impede que a mesma variação ocorra, com igual parcimónia, no C. tenuiflorus e nas demais espécies do género Carduus.
Na verdade, só encontrámos dois ou três núcleos de Carduus meonanthus, algures no Pinhal do Rei, a meia dúzia de quilómetros de São Pedro de Moel. Todas as plantas tinham flores brancas. Por não frequentarmos as praias do sul, não voltámos a encontrar o Carduus meonanthus, e por isso nunca o vimos com flores da cor normal. Mas as brancas parecem-nos mais bonitas.