Estrela sedosa
Cada ilha deveria ter a sua estrela, e só mereceria encontrá-la quem para isso não se poupasse a esforços, estudando mapas e guiando-se por bússolas nos difíceis e pedregosos caminhos que a ela conduzissem. Por culpa da poluição luminosa que afecta as nossas urbes, quem queira ver as estrelas do céu tem também que demandar lugares remotos e isolados. Só que aqui falamos das estrelas da terra — mais precisamente, das plantas arbustivas do género Asteriscus existentes nas Canárias, que têm uma repartição por ilhas muito desigual. Fuerteventura e Lanzarote contam cada uma com a sua estrela endémica (Asteriscus sericeus na primeira, Asteriscus intermedius na segunda) e partilham entre si uma terceira estrela, Asteriscus schultzii, que também ilumina os desertos de Marrocos; e só uma das restantes ilhas, Grã-Canária, teve direito a uma estrela própria, Astericus graveolens, ainda que dividida em duas subespécies.
Embora a estrela-marroquina (Asteriscus schultzii), com os seus capítulos inesperadamente brancos, suscite a simpatia geral, a opinião maioritária é que a estrela-sedosa (tradução possível para Astreriscus sericeus), hoje no escaparate, é a mais bonita de todas. As flores, produzidas com abundância ao longo da Primavera, são vistosas, duas vezes maiores do que as da concorrência, e as folhas, de um verde acetinado, são largas, formando rosetas perfeitamente simétricas nas extremidades dos galhos. A planta é robusta e encorpada, alcançando por vezes um metro de altura, mas sem nunca perder o característico porte arredondado. Graças a estas qualidades, foi ela a única, entre as suas congéneres canarinas, a entrar no comércio hortícola internacional e a conquistar lugar de relevo em jardins de muitos países. Pena é que o nome de exportação que lhe arranjaram (Canary Island Daisy) seja tão vago e desinspirado: serão mais de meia centena as espécies de asteráceas endémicas das Canárias às quais o mesmo nome não assentaria pior.
Assim, não é de facto necessário ir a Fuerteventura para admirarmos o Asteriscus sericeus e lhe passarmos a mão pelas folhagem sedosa enquanto lhe aspiramos o perfume (sim, é verdade: ele também se notabiliza pela fragrância). Mesmo nas Canárias, é possível encontrá-lo noutras ilhas (Grã-Canaria, Tenerife, El Hierro) onde foi introduzido e se naturalizou, talvez para que Fuerteventura não tivesse o exclusivo de tão forte chamariz turístico. E os que preferem jogo limpo, insistindo em visitar Fuerteventura, têm ainda assim quem teime em facilitar-lhes a vida, plantando profusamente A. sericeus em jardins e bermas de estrada. Nós recusámos asceticamente ser seduzidos por plantas domesticadas, e fomos aos cumes da ilha visitar o A. sericeus no seu habitat. Só que nada tem de heróico ascender ao Morro Velosa, em Betancuria, havendo uma estrada muito confortável que nos conduz até ao topo. E seria lá — e não no Pico da Zarza, cuja conquista não foi moleza — que a estrela-sedosa se nos apresentaria florida e fotogénica. Fora de época, é verdade, mas ficou-nos a lição de que nem sempre um esforço maior se traduz em recompensa acrescida.