26/07/2022

Tojo mole

Genista anglica L.


Das giestas espinhosas que são espontâneas no nosso país, a Genista anglica, pela sua ramificação frágil e quebradiça, é por certo das menos agressivas. Se lhe pressionarmos os espinhos com a ponta do dedo, é mais fácil eles vergarem-se do que sermos picados. Ao contrário do que sugere certo autor, não é crível que este arbusto possa servir para aliviar a comichão do gado que nele se roce. Congéneres seus mais encorpados como a Genista falcata e a G. tricanthos, possuidores de espinhos de comprovada rigidez, estão muito mais bem equipados para tal função. Sendo a G. tricanthos conhecida como tojo-molar, parece-nos apropriado, por contraste, chamar tojo-mole à G. anglica, apesar de na nossa língua, segundo algumas fontes, ela já ser chamada de aliaga.

Noutros idiomas, também não faltam nomes comuns à G. anglica; os melhores são uñagata (em castelhano), petty whin (em inglês) e steckelheide (em alemão), ficando-se os franceses por um preguiçoso genêt anglais. Curiosamente, os ingleses, em regra tão ciosos do que é seu, prescindiram neste caso de alardear a nacionalidade inglesa que Lineu outorgou a este arbusto. O pai da taxonomia botânica travou conhecimento com esta Genista em 1736, na Holanda, no jardim do anglo-holandês George Clifford III, banqueiro rico e grande entusiasta por jardinagem. Lineu presumiu que no estado natural a planta apenas ocorresse na Grã-Bretanha, país de onde haviam sido trazidas as sementes. De facto, ela é também nativa da Europa continental, estendendo-se a sua distribuição desde a Península Ibérica até à própria Suécia, terra natal de Lineu.

O tojo-mole (ou, vá lá, a aliaga) é um arbusto de até 1 metro de altura, que se distingue pela sua ramagem fina, pelos espinhos longos e ligeiramente curvados, pelas folhas elípticas, e pelos frutos engrossados. Vive em prados ou em matos (sobretudo urzais) com alguma humidade, por vezes na faixa de transição entre urzais ou prados mais ou menos secos e zonas higro-turfosas. Por isso mesmo, no local onde o encontrámos, na região raiana de Miranda do Douro, foi possível vê-lo quase lado a lado com o tojo-gadanho (Genista falcata), que prefere substratos mais secos, e tomar boa nota das diferenças: este último, além de ser bem mais robusto, com hastes vincadamente estriadas, tem flores claramente maiores e frutos mais compridos e estreitos.

20/07/2022

Favas à francesa

Em crianças, passámos algumas tardes à volta de jogos de tabuleiro, onde a peça de cada jogador avança ou recua numa via sinuosa e colorida, repleta de bonecos que indicam ora perigos ora prémios. O percurso de cada um é ditado pelo lançamento de um dado e, portanto, estes brinquedos não exigem perícia nem talento. É necessário, isso sim, paciência e algum entusiasmo que vença o sono. Neles aprende-se que nem sempre é o mérito que garante a recompensa, ou o erro que penaliza. Aqui é o acaso que manda, mais uma entidade a ser temida na infância. Ficaram-nos na memória as inúmeras vezes em que o valor do dado, que azar, nos obrigou a recuar no percurso: um castigo duplo, porque perdemos caminho e regressamos a um local já visto. E assim nos chega, de mansinho, outra lição: é preciso sabedoria para se voltar a apreciar um lugar onde já se esteve.

Vem isto a propósito de algumas idas recentes a Mogadouro. Primeiro, em meados de Março, para procurarmos núcleos de Narcissus rupicula nos afloramentos de granito e xisto que se avistam quando nos aproximamos da cidade, alguns erguendo-se acima dos 800 m. E vimo-los, muitos e perfumados. Numa segunda visita, em Abril, fomos espreitar uma ribeira encaixada num vale de acesso fácil. Subimos uma ladeira pedregosa, a par de um rebanho de cabrinhas que fazia então vagarosamente o mesmo percurso, enquanto petiscava nos taludes salpicados de orquídeas. As cabrinhas viraram à direita, nós seguimos lestos para a esquerda, descendo finalmente até à água e a este recanto fresco de sombra e verdura.



As margens desta ribeira têm amieiros, freixos e castanheiros, ladeados por bosques mais secos de azinheiras, sobreiros e zelhas. No solo notámos logo frutos de Colchicum multiflorum aninhados nas típicas rosetas de folhas longas, muitos pés de Helleborus foetidus em flor-e-fruto, e, mais perto da água, estas plantas com folhas de margens dentadas e flores da cor do vinho-tinto.

Vicia narbonensis L.


Esta herbácea anual é frequente na região mediterrânica e grande parte da Europa (a designação específica alude a Narbonne, no sul de França), mas entre nós há poucos registos dela e, dizem, algumas ameaças. O habitat que a faveta-de-Beja (nome que a Flora Ibérica assegura ser o que cá se usa para a designar) aprecia, feito de ribeiras de água límpida aconchegadas por bosques, está a desaparecer ou a fragmentar-se. Além disso, os polinizadores mais eficientes destas fabáceas, as abelhas, também não andam com a vida tranquila. E, sobretudo, com os verões mais quentes e os invernos menos chuvosos a tornarem-se regra no nordeste do país, estes cursos de água e plantas vizinhas vivem aflitos durante quase todo o ano.

Regressámos no início de Julho à ribeira do Peso, e o cenário era outro: não havia vestígios de água, o leito estava à mostra, e a vegetação rala (ou nem tanto assim, havia muita Ballota nigra) penava, como nós, ao calor. Com sorte, voltaremos lá no fim de Setembro para ver novamente a água a correr e admirar o Colchicum em flor.

13/07/2022

Outras uvas, o mesmo mar



A penínusula de Jandía, que remata Fuerteventura pelo sul, tem um contorno que faz lembrar uma bota de cano alto, tal como o da Itália. O modelo transalpino é o mais estiloso dos dois (nem outra coisa se esperaria do país que dita a moda em calçado), mas exagera na altura do tacão e é bem menos confortável para o pé do que o modelo de sola rasa adoptado por Fuerteventura. Em contraste com a chocante agressividade da Itália, que não se cansa de pontapear a Sicília, Jandía não quer atingir nada nem ninguém, nem sequer agitar as águas mais do que o necessário para que as ondas continuem a rolar.

Tetraena gaetula (Emb. & Maire) Beier & Thulin subsp. gaetula


Pouco depois de passarmos pelo casario branco de uma aldeia piscatória, a estrada de Jandía, sempre de terra batida, termina num farol situado exactamente na biqueira de bota. Entre a esparsa vegetação que pontua a terra ressequida, e muito mais abundante do que a endémica erva-pulgueira, destaca-se um arbusto rasteiro, de folhas carnudas e avermelhadas, quase esféricas. A sua semelhança com a uva-do-mar (Tetraena fontanesii), que conhecemos de outras ilhas do arquipélago, é inegável, mas as diferenças são também claras: a planta de Jandía é de menor porte, e apresenta folhas mais pequenas e com diferente coloração. Trata-se de facto de duas espécies distintas do género Tetraena; nas ilhas Canárias, ambas são exclusivas de habitats costeiros, mas em Marrocos e na Argélia podem ocorrer em ambientes desérticos afastados do mar. Nas Canárias, a Tetraena gaetula é de longe a mais rara das duas, vivendo apenas em Fuerteventura, onde está restrita à ponta de Jandía. No aspecto geral, os exemplares canários de T. gaetula divergem de modo significativo das plantas tidas como da mesma espécie originárias do continente africano, e que são documentadas nas fotos destas páginas. Não quererá alguém averiguar se as diferenças observadas no hábito, na folhagem e na forma dos frutos se reflectem em diferenças genéticas, merecendo por isso adequado reconhecimento taxonómico?

Até 2003, ano em que foi publicado um artigo por dois botânicos suecos e um inglês propondo uma reorganização da família Zygophyllaceae, quase todas as espécies hoje incluídas no género Tetraena pertenciam ao género Zygophyllum. Tetraena era até essa data um género mono-específico: o seu único membro, T. mongolica, provinha das estepes da Ásia central. Com a nova circunscrição, passou a ser um género maioritariamente africano: das 40 espécies reconhecidas, só duas são asiáticas, e as restantes distribuem-se desde o norte de África e o médio Oriente até à África do Sul, havendo apenas uma (T. alba, presente em Espanha e na Grécia) que consegue atravessar o Mediterrâneo e pôr um pé na Europa.

06/07/2022

A melhor árvore para o seu deserto

As ilhas Canárias, tal como as do arquipélago da Madeira, são poiso de muitas margaridas, distribuídas por vários géneros, alguns endémicos. Mas a que lhe mostramos hoje é especial. Ora veja se concorda.


Kleinia neriifolia Haw.


Parece um cacto, por ter folhas suculentas (de largura variável conforme as ilhas) e ramos articulados (lembrando os dragoeiros), grossos e nodosos. É um arbusto alto (pode atingir os 3 metros), perene, embora de folhagem caduca: depois da floração, fase muito perfumada entre Agosto e Novembro, muda bastante de aspecto. As folhas são coriáceas e sésseis, formando rosetas verdes no topo dos ramos, caindo no início da estação mais seca. As inflorescências em corimbos terminais, com um pé longo, agrupam inúmeras florinhas tubulares de um tom geral amarelo pálido, com corolas brancas de cinco pétalas. Os aquénios (estruturas modificadas, semelhantes a pára-quedas para facilitar a dispersão das sementes pelo vento) são tantos e tão aveludados que, antes de se desprenderem, dir-se-ia que a planta agarrou uma nuvem com que cobre a cabeça.

Esta espécie ocorre em todas as ilhas das Canárias e é muito frequente nas zonas costeiras. Aprecia ravinas pedregosas com clima semi-árido, entre os 50 e os 1000 metros de altitude, mas pequenas variações da temperatura. Crê-se que vive só de ar, mas as raízes são longas e não desperdiçam nenhuma da água que se acumula nas fissuras das rochas.

Quererá agora o leitor voltar às fotos acima para conferir estes detalhes? Está bem, nós esperamos.

O nome do género é dedicado a Jakob Theodor Klein (1685-1759), um botânico alemão que criou uma classificação controversa para os organismos vivos (enfim, alguns animais) baseada em características morfológicas simples e fáceis de detectar (número de patas, e assim), e que, com o trabalho mais científico e metódico de Lineu, caiu no esquecimento. Para nós, matemáticos, a Kleinia bem poderia ser uma homenagem ao geómetra Felix Klein (1849-1925), autor de uma teoria unificada em Geometria, entre muitos outros contributos matemáticos, e também da famosa superfície não orientável conhecida como garrafa de Klein.