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11/01/2008

Singularidades de uma vila

São muitas as singularidades de Ponte de Lima. A primeira é que a sede do concelho persiste, orgulhosamente, em ser vila, quando quase todas as nossas outras localidades de dimensão semelhante há muito que quiseram proclamar-se cidades. Por isso é a vila mais antiga de Portugal; uns anos mais e será, simplesmente, a vila de Portugal. A segunda singularidade é o espaço público impecavelmente cuidado, o que inclui, além da limpeza e do bom planeamento, uma arborização abundante (sem vestígios de podas camarárias) e a manutenção escrupulosa dos belos jardins.

A cinco quilómetros da vila, acessível por um caminho pedonal ao longo do rio, há uma reserva natural com cerca de 350 hectares, centrada nas lagoas de Bertiandos e de São Pedro d'Arcos e atravessada pelo rio Estorãos, que ali desagua no Lima. Declarada como zona húmida em 1990, foi inscrita em 1995 no Plano Director Municipal de Ponte de Lima como parte da Reserva Ecológica Nacional. E aqui manifesta-se uma terceira singularidade: em vez de pedir sucessivas desanexações à reserva, como costumam fazer, com a pressurosa colaboração do Governo da República, as autarquias preocupadas com o «desenvolvimento», a Câmara de Ponte de Lima ainda reforçou o seu estatuto de protecção, fazendo-a classificar em 2000 como área de paisagem protegida de âmbito regional.

Tanta singularidade tem que dar para o torto, argumentará o autarca desenvolvimentista: como é que terra que não betoniza a torto e a direito os seus valores naturais pode «criar riqueza»? O certo é que cria, pois o concelho tem um ar indiscutivelmente próspero. Sem ter inaugurado nenhuma atracção espampanante como a Bracalândia ou a «árvore» de Natal mais alta da Europa, Ponte de Lima é das terras mais visitadas do Minho (e de Portugal); e é-o pela singela razão de se manter bonita enquanto o resto do país (incluindo o Minho) se vai tornando cada vez mais feio.





Estas imagens documentam um dos possíveis passeios a pé com partida e chegada no centro de acolhimento das Lagoas: o percurso da veiga tem 6 Km de extensão, dos quais cerca de 2/5 são fora da reserva, atravessando povoações, campos de cultivo, vinhas e pomares. Os pontos mais atraentes do percurso são a lagoa de São Pedro - rodeada por esparsos eucaliptos improvavelmente fotogénicos - e, já fora da reserva, a ponte e a azenha do rio Estorãos, onde o antigo moinho (à direita na foto) foi convertido em hospedaria (as árvores em primeiro plano são amieiros). Vimos ainda velhas oliveiras, laranjeiras com muitas laranjas a apodrecer no chão, um curioso monumento com quatro mãos agarrando uma argola - dedicado à boa vizinhança entre quatro freguesias - e, para terminar, a amostra possível da fauna local à porta de sua casa.

03/01/2008

Camélias e gatos em Agramonte




Há duas actividades que nada têm de ofensivo mas são proibidas no cemitério municipal de Agramonte, no Porto. São elas tirar fotos e alimentar gatos. Se cometermos a ingenuidade de lá entrar com a máquina a tiracolo, somos de imediato alertados para a primeira proibição; quanto à segunda, ela está inscrita, de forma bem visível, numa tabuleta junto ao portão. Contudo, estas interdições trazem a marca do país de brandos costumes em que vivíamos antes da chegada da ASAE e da lei antitabagista: como comprovam as fotos, nenhuma delas é (felizmente) para tomar à letra. Quanto a mim, só desrespeitei, sem compunções, a proibição de fotografar; mas pude inferir, pelo ar próspero da população felina, que há também quem tenha a caridade de a alimentar. E é consolador, no Inverno, ver como os gatos realizam a sua peculiar fotossíntese de transformar o mais débil raio de sol em bem-estar absoluto.

Pode parecer de um gosto mórbido passear no cemitério quando existe, ali a dois passos, o jardim da rotunda da Boavista. Em comparação com uma ilha no meio do trânsito, o cemitério tem a óbvia vantagem do sossego, mas não se trata apenas disso: ele é mais rico do que a rotunda em variedade de plantas, cores e perspectivas; em tudo aquilo, afinal, que faz a qualidade de um jardim. Há nele uma exuberância vegetal que está ausente do jardim em má hora requalificado. De Agramonte, já aqui mostrámos as magnólias, um cedro-do-atlas e os liquidâmbares; há também teixos, sequóias, hibiscos, extremosas, arbustos diversos e uma alameda de palmeiras (Butia eriospatha). E há, em especial, um grande número de japoneiras mais-que-centenárias que estão agora em flor e recompensam amplamente a atenção do visitante.

11/12/2007

A nova geração



O assunto previsto para este texto era legitimamente botânico, mas a Opuntia, planta da família das cactáceas, fotografada há dias no jardim das suculentas do Botânico, já faz tempo que encerrou a temporada de floração; como aliás fizeram quase todas as suas companheiras. Mesmo com temperaturas desvairadas e chuva irregular, todo o Jardim Botânico se rendeu já ao Inverno improvável que chegará a 21 de Dezembro. Escaparam à letargia geral as camélias, que aqui já explicámos sobejamente, e os gatos, a que não temos prestado a atenção que merecem. Estes dois jovens membros da família já aqui assinalada nem queriam acreditar que era à planta espinhenta e agressiva que eu queria fotografar, e não a eles, meigos, bonitos e pedinchões. Não os enganou a vaidade: de todas as fotos que tirei aos cactos nessa tarde, só se aproveitam aquelas onde eles aparecem. Eis pois a beleza de um jardim sem flores à entrada do Inverno. Ou parte dela.

27/11/2007

A árvore das espécies



Em Abril de 2005, a Manuela mostrou aqui imagens da existência atribulada desta Araucaria heterophylla no então estaleiro de obras da Metro do Porto. O que na altura se projectava para o quarteirão antes ocupado por uma fábrica têxtil há muito falida, embora estivesse ainda dependente da concordância do IPPAR, era um espaço com o nome de Camélias Parque: seria um centro de lazer e não, enfaticamente, um centro comercial. Como relata a Manuela, o IPPAR teria, segundo os jornais, intercedido pela preservação das «espécies arbóreas» no local. Escrevendo na Baixa do Porto, Francisco Rocha Antunes, promotor que esteve de início ligado ao empreendimento, estranhou o teor da notícia, já que a manutenção da araucária e das camélias terá sido desde sempre - como indicava o próprio nome do previsto centro de lazer - uma das balizas do projecto.

Nos 31 meses entretanto decorridos veio a autorização do IPPAR e a obra acabou por se fazer, mas o que foi inaugurado há duas semanas com o pindérico nome de Porto Gran Plaza já não se disfarça de centro de lazer: é um banalíssimo centro comercial onde nem sequer existem as prometidas salas de cinema (o único atractivo que me levaria a visitá-lo com regularidade).

Embora tenha perdido ramos e acuse alguma debilidade, salvou-se a araucária, protegida num cilindro de terra com diâmetro generoso; e foram ainda plantadas em caldeiras oito camélias já com dois metros de altura. É verdade que isto não se confunde com o jardim que o IPPAR, nos idos de 2005, parecia exigir; mas talvez o mesmo IPPAR que deixou petrificar a avenida dos Aliados, aceitando como boa a justificação dos arquitectos de que o que lá ficava era um jardim elevado constituído pelas copas das árvores, acredite que há agora um verdadeiro jardim à entrada do Porto Gran Plaza.

Só mais uma nota. O IPPAR fala em «espécies arbóreas», obviamente confundindo «espécie» com «espécime». Uma árvore não é uma espécie, assim como um homem não é uma espécie: é um representante de uma espécie, a humana. Os seres vivos estão agrupados em espécies, e cada indivíduo de uma espécie não é uma espécie: será, quando muito, um espécime. A confusão entre os dois vocábulos generalizou-se mesmo entre jornalistas. Andréia Azevedo Soares escreveu no Público, sobre este mesmo centro comercial, que «foram salvaguardadas questões ligadas ao impacte estético, à arqueologia industrial e à preservação de determinadas espécies arbóreas». E a frase é ainda mais caricata por estar no plural: uma só araucária, a única árvore que foi salvaguardada, corporiza várias «espécies arbóreas».


Do outro lado da rua Fernandes Tomás, nos velhos prédios contíguos ao Via Catarina, vive uma dessas famílias clandestinas que saltam de telhado em telhado. Obras como as do Porto Gran Plaza significam a morte para muitos gatos: ninguém se lembra deles, ninguém os protege; os operários divertem-se a apedrejá-los enquanto avançam com as obras que lhes destroem a casa. Fica aqui a lembrança de que a cidade também lhes pertence.

19/12/2006

A loja do gato justo


Núcleo rural do Parque da Cidade: Carpinus betulus; Olea europaea; Felis catus

O núcleo rural de Aldoar é um conjunto de casas rústicas onde, antes de existir o Parque da Cidade, viveram os agricultores que cultivavam os terrenos adjacentes. Agora recuperadas e a brilhar de novas, albergam uma amostra etnográfica, uma cafetaria com esplanada, um restaurante com preços proibitivos, e duas ou três lojas muito especiais. Uma delas é a loja do comércio justo, alegadamente da Associação Reviravolta. Dizemos alegadamente porque os verdadeiros donos são esse casal da foto: ele em primeiro plano e ela junto ao quadro negro. Tirando o curto intervalo para almoço em que os surpreendemos, estão sempre à porta da loja; e, como verdadeiros patrões, nunca são vistos a trabalhar. Mas metem conversa e aliciam potenciais clientes dando-lhes marradinhas e roçando-se-lhes nas pernas. O negócio corre-lhes tão bem que ele já exibe a característica barriguinha saliente do comerciante tradicional.

Nem quando o tema é zoológico e não botânico prescindimos do nosso didactismo habitual. Assim, os animais da foto pertencem à espécie Felis catus, e são usualmente designados por gato ou gata, conforme o exemplar em causa seja masculino ou feminino. Para sabermos mais sobre este animal, socorremo-nos de uma das obras cimeiras da erudição portuguesa neste vigésimo-primeiro século dC. É uma daquelas realizações multidisciplinares que deveriam ser depositadas em bunkers anti-atómicos ou lançadas em sondas espaciais para darem testemunho da civilização humana, e da própria vida na Terra, quando o nosso mundo tiver desaparecido. Referimo-nos à Fauna & Flora na Toponímia do Distrito do Porto (ed. Governo Civil do Porto, 2004), obra de J. J. Magalhães dos Santos onde a Geografia, a Toponímia, a História, a Zoologia e a Botânica confluem como outros tantos caudalosos rios no grande mar do Conhecimento. Em que outra obra de referência o leitor fica não só a saber, por fotos e descrições, o que é uma flor, um cão ou uma galinha, como também é informado dos lugares do seu país com nome floral, canino ou galináceo? Vejamos o que sobre gato nos ensina o esclarecido autor:

«Gato (Del. lat. cattus); sust. m. y f. Mamífero de la familia de los félidos, de pequeño tamaño, que tiene la cabeza redonda, lengua muy áspera, patas cortas, y pelaje espeso, suave y de distintos colores; el gato y la gata se hacían arrumacos en el tejado a la suave luz de la luna.»

(Uma das surpresas do livro é que as explicações científicas são em castelhano, enquanto os restantes verbetes são em português: as duas línguas irmãs alternam na mesma página em ameno convívio ibérico.)