21/07/2010

Borboleta branca

Platanthera bifolia (L.) Rich.


Juntamos hoje à lista mais um ardil de sedução que as orquídeas inventaram. A das fotos até paga judiciosamente, com farto néctar, os serviços dos seus polinizadores. Mas estes são borboletas nocturnas que, na escuridão e no meio de outra vegetação mais alta, precisam de pistas para localizar as flores. E a orquídea não se faz rogada: as flores rescendem um aroma, mais intenso à noite, que lembra o dos cravos; e a cor branca perolada fá-la brilhar no escuro, guiando os insectos como uma torre de controle de aviões. A morfologia da flor completa este cenário de sageza: o esporão longo e arqueado, cheio de néctar, está adaptado à forma da tromba destas borboletas; e a sua entrada está precisamente à frente do estigma e entre os sacos de pólen — estruturas paralelas na foto em detalhe, com duas bolhas de cola na base —, conjunto protegido por um capuz composto pela sépala superior e duas pétalas. A borboleta aterra com as patinhas nas sépalas laterais (ou, se pequena de mais para isso, directamente no labelo) e, enquanto se delicia com o néctar, os sacos de pólen colam-se à base da tromba; um pouco mais tarde eles rodarão para que, na próxima visita desta borboleta a outra flor, os sacos estejam em posição horizontal, encaixem à medida no espaço que medeia até ao estigma e o pólen aí adira naturalmente.

Como as plantas do género Orchis, a Platanthera bifolia sobrevive enterrada desde o Outono, por seis a sete meses, com um tubérculo que a alimenta até à próxima floração, em Maio ou Junho do ano seguinte. Nessa altura um outro tubérculo suculento substitui o primeiro e o ciclo retoma-se. A posição dos dois sacos de pólen e a forma das anteras justifica o nome do género: do grego plat — largo, achatado — e anthera, antera. A folhagem reduz-se a duas folhas opostas (por isso se diz bifolia; há contudo registo das variedades trifolia — como a da foto — e quadrifolia), basais, lanceoladas, de cor verde-pálido, ligeiramente brilhantes, além de umas poucas brácteas mais acima no caule.

Comum nas zonas temperadas da Europa, Ásia e norte de África, é rara nas regiões mais a sul onde se tem verificado um acentuado declínio em todas as populações. Nem é esquisita quanto ao habitat, vive confortavelmente em prados abertos, bosques pouco arborizados, charnecas e até zonas alagadas. Mas teme-se que a progressiva degradação dos solos, o aumento da superfície gasta na agricultura intensiva, ou permanentemente utilizada para o pastoreio, a deficiente manutenção dos bosques e a tendência imprudente desta orquídea para privilegiar mecanismos de isolamento, como a auto-polinização, levem à sua extinção se não se acautelar o futuro. Em Portugal existe em... não, é melhor não irem lá, a fila de visitantes dobra a esquina.

Há cerca de uma centena de espécies de Platanthera, oito na Europa. Os Açores foram agraciados com dois exclusivos, a P. micrantha (Hochstetter ex Seubert) Schlechter e a P. azorica Schlechter (muito rara), com épocas de floração quase coincidentes mas, talvez por orgulho identitário, sem híbridos comuns. O livro Flora Vascular dos Açores, Prioridades em Conservação (de Luís Silva et. al, edição CCPA & Amigos dos Açores, 2010) tem fotos destes endemismos e delineia medidas indispensáveis de conservação. Pelo número de exemplares que observámos, a P. bifolia precisa de um plano igualmente urgente de salvação.

3 comentários :

biodivers©idade disse...

São tão belas.
Obrigada pela divulgação!

Anónimo disse...

Não fica bem num blog tão bem escrito um erro como "previlegiar".

Maria Carvalho disse...

Agradeço o reparo. Desculpe a desatenção.