24/08/2009

O charco perdido



Lost Pond, Epping Forest.
Fagus sylvatica L. (em cima); Betula pendula Roth e Cardamine pratensis L.

Os aprendizes da natureza agradecem todas as ajudas quando primeiro se aventuram num bosque, numa serra ou numa reserva natural. Surgem assim aqueles percursos recomendados onde os nossos medrosos e hesitantes passos são guiados por setas ou tracinhos coloridos. São como as rodinhas laterais de quem, criança ou já adulto, aprende a equilibrar-se numa bicicleta. E, tal como ninguém chega a ser um verdadeiro ciclista se não dispensar, a dada altura, as rodinhas extra, também não atinge um estado de verdadeira fruição da natureza quem sempre se limita aos trilhos sinalizados. Onde não há estradas nem passeios para peões também não deve haver barreiras para o inesperado. Às vezes um pequeno desvio - aquela árvore ou aquela pedra servindo-nos de referência para o caminho de regresso - proporciona uma grande descoberta: uma planta ou pássaro que nunca tínhamos visto, um lençol de água oculto pelo arvoredo.

Em Portugal muitas pessoas há que partem à descoberta da natureza sem nunca saírem dos trilhos. Ficam-se, assim, por aqueles pedaços de natureza que outros seleccionaram para elas. É verdade que os caminhos não assinalados requerem um sentido de orientação e uma familiaridade com o terreno que só gradualmente se adquirem. Mas quem se fica temerosamente pelo conhecido e repisado abdica da relação profunda com os lugares que só as escolhas ditadas pelo improviso e pelas preferências pessoais podem criar.

Nos parques, bosques ou reservas naturais de Inglaterra a regra é que os caminhos não estejam sinalizados. Quem quiser socorre-se dos seus próprios meios - mapas, bússolas, GPS, simples intuição - para definir os seus percursos. Ninguém é apaparicado: quem frequenta esses lugares tem desde logo que se emancipar. Porque a natureza (e é a natureza possível, ainda que mitigada, que buscamos) não vem equipada com setinhas ou postes, nem os outros animais da criação carecem dessas muletas.

É verdade que se vendem folhetos com percursos, mas com indicações tão escassas e por vezes tão enigmáticas que mais parecem os mapas do tesouro das histórias juvenis. E esse espírito lúdico e aventureiro é perfeitamente ajustado: podemo-nos enganar uma ou outra vez (é aliás o mais provável), mas é nesses desvios imprevistos que está grande parte da piada; e se, ultrapassados os percalços, chegarmos ao fim, sentimo-nos tão argutos como o herói numa aventura de piratas.

A Lost Pond é um dos 150 lagos ou charcos que existem espalhados pela Epping Forest e perfazem uma área total de 40 hectares. Não é visível de nenhum dos grandes caminhos que cruzam a floresta. Há um pequeno atalho, tenuemente marcado no chão, que emerge de um desses caminhos e serpenteia duas ou três centenas de metros num cerrado bosque de faias até à clareira ocupada pelo lago. Uma vez lá, dão-se dois passos na margem e o atalho parece apagar-se. Seria aquele ou o outro? Nada parece distingui-los. Felizmente, a bétula com as raízes salientes (foto em cima) ficou a assinalar o atalho correcto, e o regresso fez-se sem problemas. Houve tempo para admirar os marrecos que nadavam no seu sossego, a faia de troncos múltiplos, e uma rara planta aquática (Cardamine pratensis) que só neste esconso lago se fez achada. O isolamento e a solidão eram tão absolutos como na mais remota floresta virgem.

2 comentários :

bettips disse...

...tão bom, passear assim, Paulo!!!
Lembro-me que saindo duma rua principal, se mergulha naqueles "square gardens" que tão bem ligam com as vitorianas casas. Será assim em Hamsptead, onde subi e desci a colina, pelos "mews" e atalhos, para encontrar o tal cemitério que estava ao virar da esquina.
E é isso que mais recordo de Londres, verdes lugares, calmos lugares, onde "se pode pensar". Museus sem restrições, de pagar ou fotografar. Ruas de beira Tamisa, impecavelmente tratadas. Andar nos canais, do Zoo a Candem Town. Atravessar a cidade pelos parques. E sempre que queria, ir comer pão negro com ideias dentro, ou um pequeno almoço-almoço que ajudava o passeio.
Abçs

bettips disse...

...Camden Town, of course...