02/06/2010

Um mês na estrada

Asphodelus fistulosus L.
O esforço de rapar a vegetação das bermas de todas as estradas, desde as novíssimas auto-estradas às velhas estradas nacionais ou mesmo municipais, esbarra com a enormidade da empreitada. Não é apenas falta de mão de obra para formar equipas que actuem em todo o território nacional. É que é preciso repetir a tarefa inúmeras vezes nos mesmos troços de estrada. Quando, a muito custo, com máquinas roçadoras e bidões de herbicida, se avançou até ao quilómetro cem da A-não-sei-quantos, já ao quilómetro zero as ervinhas despontam novamente. É inevitável concluir que nunca as brigadas antiverde irão conseguir erradicar as plantas que vegetam junto às estradas. Pelo menos não todas as plantas, já que as mais sensíveis há muito que desapareceram. Sobram, livres da concorrência, aquelas que se dão bem com tais perturbações cíclicas.

Uma delas é a abrótea-fina (Asphodelus fistulosus), que, entre Março e Abril, se dá a ver nas auto-estradas do centro e sul do país. Como não é esse o nosso território, só este ano é que a vimos, quando descemos a sul de Leiria na A1. Mas tranquilize-se o leitor: embora se justificasse, não parámos na auto-estrada para lhe tirar o retrato, pois ela também teve a gentileza de se mostrar na EN 361, perto de Alcanena. É uma planta de aspecto delicado, com uma haste florida de uns 40 cm de altura e um denso tufo basal de folhas cilíndricas e estreitas. Os entendidos em terminologia médica associarão o epíteto fistulosus às fístulas — as quais, segundo o dicionário da Porto Editora, são «orifícios ou canais anormais, congénitos ou acidentais, que ligam dois órgãos entre si ou um órgão ao exterior». De facto, o caule desta abrótea é oco, e terá servido, às crianças de outros tempos, para improvisar flautas rudimentares.

Se falamos da abrótea-fina, é obviamente porque outras abróteas mais corpulentas existem em território nacional. A seu tempo elas aqui subirão ao palco. Para concluir, diga-se que a Asphodelus fistulosus é nativa do sul da Europa e do sudoeste asiático, numa faixa que vai de Portugal à Turquia.

Adenda. Pode espreitar aqui mais algumas fotos da A. fistulosus.

4 comentários :

Francisco Clamote disse...

Obrigado, Paulo, pela gentileza da referência. Imerecida, mas, por isso mesmo, mais agradecida.

Paulo Araújo disse...

É claro que a referência é merecida, Francisco. E o que acontece é que o meu texto sobre esta abrótea já estava pronto quando apareceu o seu (escrevo sempre os textos alguns dias antes de os publicar). Parecia mal não tirar proveito da coincidência.

Francisco Clamote disse...

Obrigado, Paulo, uma vez mais. Alguma coisa vou aprendendo com as visitas que faço ao "Dias com árvores", onde se junta conhecimento e arte. A de bem escrever. O "Dias com árvores" é, na verdade, ao mesmo tempo ciência e literatura. Os meus parabéns!

Luz disse...

E eu adoro esta flor, que realmente encontro por todo o lado. Agora já a posso chamar pelo nome. O que eu aprendo neste blogue!