30/06/2010

Pútegas

Cytinus hypocistis (L.) L.
«Parece mal não as convidarmos para a festa, mesmo correndo o risco de a coisa resvalar para a brejeirice.» Foi assim que argumentou o Presidente do Conselho de Administração, mal disfarçando uma viciosa atracção pela low life, típica dos endinheirados que levam uma existência ociosa. E mais rasteira não podia ser a vida destas pútegas que nunca se erguem acima do chão: tão agachadas são elas que basta uma folha seca para as ocultar da nossa vista. As flores vistosas, de um amarelo tropical, surgem aconchegadas pelo vermelho alaranjado das brácteas, e podem ser femininas ou masculinas, com as primeiras montando cerco às segundas. As femininas são especiais, pois contêm um suco adstringente que ainda hoje, conforme testemunho aqui registado, é apreciado pelos pastores transmontanos, e que já na época romana era usado como remédio contra a disenteria. Cada cacho de cinco a dez flores brota no topo de uma haste enterrada que tem uns 3 a 7 cm de profundidade e está ligada a um caule igualmente subterrâneo. Desse caule partem ainda os tentáculos que se agarram às raízes das plantas hospedeiras. É que a Cytinus hypocistis é uma planta parasita, alimentando-se exclusivamente de cistáceas dos géneros Cistus e Halimium — o que aliás é corroborado pelo epíteto hypocistis (= debaixo do Cistus). Com um desfasamento de dois meses, encontrámo-la já, em Sicó e no Gerês, parasitando arbustos de ambos os géneros.

Antes dos modernos estudos genéticos que tantas convulsões trouxeram à sistemática botânica, o género Cytinus, formado por plantas de porte tão reduzido, integrava a família Rafflesiaceae, que inclui a asiática Rafflesia arnoldii, famosa por produzir a maior (11 kg) e mais malcheirosa flor do planeta. Tratando-se de duas plantas parasitas, a conexão não deixava de ser mutuamente prestigiosa apesar da disparidade dos tamanhos, mas não resisitiu à constatação de que elas afinal estão evolutivamente muito afastadas uma da outra.

4 comentários :

Lunapapa disse...

Bom dia. Sem querer encontrei o vosso blog, e que maravilha. Estao de parabens. Em relacao 'as putegas, costumo ve-las em Montesinho, debaixo de sargaços e carquejas. Quando as vi pela primeira vez, fiquei admirada com tamanha beleza. Habitantes de la disseram-me que as putegas sao as plantas que os pastores comem, ou comiam, quando andavam com o gado no monte.
Continuem o bom trabalho.

Rita

Paulo Araújo disse...

Boa tarde, e muito obrigado por comentar. Fico contente por essa confirmação de que os pastores comem ou comiam esta planta. Suponho que em Montesinho e nos arredores de Bragança ela é bem mais comum do que no resto do país, onde a sua ocorrência é muito esporádica. Mesmo no Gerês só nos calhou ver uma planta.

Unknown disse...

boa noite eu morei no co conselho de Oliveira de frades mais propriamente na aldeia de Carregal e era frequente encontrar esta delícias

Jorge Pinto disse...

Boa noite!
Em criança traziam-me esta iguaria. Demorei anos até saber o que era. Só recordava o paladar e o nome que me parecia popular. Eram encontradas por pessoas que iam à lenha nos montes junto ao rio Paiva.