08/11/2010

O que nós pisamos

Mollugo verticillata L.


Os paralelepípedos da rua são um habitat florístico muito mais interessante do que os tapetes de asfalto, embora, pela trepidação que provocam, agradem menos aos condutores. Era bom, aliás, que eles evitassem tais ruas e nos deixassem esquadrinhar as pedras sossegadamente. E não sou o único a queixar-me da presença indesejável dos automóveis. O Xico, um gato preto de pontas brancas, é obrigado a ir para o meio da rua abocanhar os pedaços de comida que uma vizinha bem intencionada, mas de fraco arremesso, lhe atira da janela. Engole um pedaço de frango e lá tem que se recolher ao passeio para deixar passar um carro. Mais uma tentativa, mais um carro que se aproxima. Já um gato não pode comer em paz, nem eu posso botanizar sem sobressaltos.

Por sorte, há vias com paralelepípedos onde os carros não circulam, e uma delas, nos jardins do Palácio de Cristal, até me fica perto de casa. Além do mais, as plantas que lá ocorrem são uma amostra representativa das que frequentam vias mais perigosas: beldroegas (Portulaca oleracea), maleiteiras (Chamaesyce maculata) e esta Mollugo verticillata, planta de origem sul-americana a que os brasileiros chamam cabelo-de-guia ou capim-tapete. Sendo capaz de sobreviver nos interstícios das pedras e de resistir ao frequente pisoteio, a M. verticillata não pode ser muito vistosa nem ter porte avantajado; e, de facto, é uma planta rasteira, muito ramificada, com caules finos de uns 20 cm de comprimento, folhas de 1 a 3 cm agrupadas em saiotes (ou verticilos), e flores branco-esverdeados com 5 mm de diâmetro. Tem um ciclo de vida anual muito breve; mas, como é prolífera, as gerações vão-se sucedendo umas às outras na estação favorável, que aqui na Europa se estende de Junho a Outubro.

Além desta exótica, que aliás não é assim tão comum em Portugal (a Flora Ibérica indica que ela apenas está naturalizada no Douro Litoral e no Minho), a família Molluginaceae inclui duas espécies espontâneas da flora portuguesa, também elas pequenas herbáceas anuais: Mollugo cerviana e Glinus lotoides. A primeira, que frequenta margens de rios e terrenos arenosos ou pedregosos, está presente nas bacias do Douro e do Tejo, e distingue-se da M. verticillata pela folhagem estreita, quase linear. A Glinus lotoides, por seu turno, tem folhas arredondadas e uma aparência lanuda que contrasta com o carácter glabro das duas Mollugo; aparece em areias junto a cursos de água, e em Portugal está restrita à metade sul.

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