O pequeno azul
Lupinus micranthus Guss. (ou talvez Lupinus pilosus L.)
Mesmo para quem não frequenta esplanadas à beira-mar, os tremoços evocam instantaneamente as tardes e noites de um Verão sem fim. O Verão, na verdade, só se reduz a três meses para quem, como nós, se deixa ficar sempre pelo mesmo hemisfério. Uns pulinhos até ao Sul em ocasiões estratégicas duplicam facilmente essa duração. Isto para não falar dos bronzeamentos artificiais, assunto que já tem pouco a ver com o consumo imoderado de tremoços.
Também para o naturalista os tremoços evocam os bons tempos que só regressam no próximo ano: é aquele período de Abril a Julho em que as plantas se acotovelam para nos prender a atenção. São tantas e tão variadas que algumas acabam imerecidamente por ser esquecidas. Mas há dois tremoceiros, o azul e o amarelo, que resolveram o problema inteligentemente, deslocando para as bermas das estradas (e até para os separadores das auto-estradas) contingentes de tal modo numerosos que mesmo os condutores mais apressados e mais indiferentes aos encantos da natureza são obrigados a vê-los.
Claro que o naturalista gourmet não se dá por saciado com as plantas que estão à vista de todos, e tem por força que ir à procura de raridades em sítios esconsos ou remotos. Assim é com o Lupinus que hoje aqui trazemos: não é mais bonito do que os outros, mas é um exclusivo nosso. O problema é arranjar-lhe nome. Se estivéssemos certos da sua origem espontânea, teríamos poucas dúvidas de que se trata do Lupinus micranthus, também conhecido como tremoceiro-peludo, que ocorre em solos cultivados ou arenosos do centro e sul de Portugal. Mas essa espécie tem preferência por solos ácidos (que supomos não existirem em Sicó) e a coloração da flor, tal como é descrita nos manuais, não condiz com o que fotografámos. Também poderia tratar-se do L. consentinii, que, sendo igualmente espontâneo no nosso país, já admite viver em solos básicos e tem flores com a coloração certa; contudo, como ele é muito menos hirsuto do que a nossa planta, essa hipótese terá que ser descartada. É pois de admitir que este Lupinus tenha origem no cultivo, apesar de o terreno onde o encontrámos há muito ter sido abandonado; e, nesse caso, talvez seja o L. pilosus, uma espécie mediterrânica originária da Grécia, Turquia e Israel que é cultivada ocasionalmente noutros países.
Enfim, um pequeno mistério azul que deixamos à consideração de quem goste de dar nome às coisas.
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