Cravo ferrado na rocha
Dianthus langeanus Willk.
Os cravos que enfeitaram as portas abertas de Abril eram plantas domesticadas, das que se vendem nas floristas e nos centros de jardinagem. Talvez estivesse mais de acordo com o espírito libertário que marcou essa época celebrá-la com cravos silvestres (desde que, como é óbvio, não andássemos a colhê-los desregradamente). Dá-se até o caso de Portugal — e, mais geralmente, a Península Ibérica — abrigar uma grande diversidade de cravos espontâneos, a ponto de os botânicos que se propõem destrinçar as várias espécies se sentirem confundidos. A Flora Ibérica enumera 28 espécies peninsulares do género Dianthus; mas, se contarmos subespécies e híbridos, este número sobe para 47. E, conforme se admite nessa mesma obra, é frequente encontrarem-se exemplares que não se deixam arrumar claramente em nenhuma das 47 gavetas. A opinião dos estudiosos é que os cravinhos estão em plena evolução, e que as tentativas de sistematização taxonómica são prematuras. Quem sabe se não bastará esperar uns breves milhares de anos (uma ninharia, afinal) para que as espécies estabilizem as suas características e se diferenciem de modo mais nítido? Porém o homem, esse animal impaciente, quer ver tudo classificado sem demora.
Esta conversa parece desculpa de mau pagador, para minimizar os estragos que o tremoceiro misterioso nos terá causado à reputação. Lembrando que os profissionais também por vezes chegam a um beco sem saída quando se trata de identificar uma planta, fica desculpada a inépcia dos amadores. Mas nem tudo se equivale: embora a distinção entre certas espécies de Lupinus nos pareça algo confusa, com diferentes autoridades a emitirem opiniões divergentes, o grau de complexidade do género Dianthus é incomparavelmente maior. A verdade é que basta um mistério pequenino para nos baralhar a escassa erudição.
O Dianthus langeanus permite-nos fazer boa figura: no lugar onde o encontrámos — serra do Gerês, ao longo da linha fronteiriça da Portela de Pitões — não há notícia de nenhum outro cravinho que com ele se possa confundir. O D. lusitanus, que é comum de norte a sul na metade oriental do nosso território, e também ocorre (embora escassamente) no nosso Parque Nacional, é (como aqui se pode constatar) bem diferente do D. langeanus, tanto no hábito como na folhagem e na coloração da flor. Um carácter distintivo deste último, que é um endemismo das áreas secas e montanhosas do noroeste peninsular, florescendo de Junho a Agosto, é precisamente o tom violáceo ou acastanhado do cálice das flores.
O epíteto langeanus remete para o botânico dinamarquês Johan Martin Christian Lange (1818–1898), co-autor, com o alemão Heinrich Moritz Willkomm (1821–1895), de uma flora de Espanha com o título Prodromus Florae Hispanicae, organizada em três volumes aparecidos em fascículos entre 1861 e 1880. A primeira descrição do D. langeanus, feita por Willkomm, só foi publicada em 1878, no penúltimo fascículo do derradeiro volume dessa monumental obra.
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