Uma casa na árvore
Um erro comum nos percursos marcados em espaços naturais portugueses é o de supor que todos nós temos um interesse absorvente pela etnografia — ou, trocando por miúdos, que adoramos ver povo. E assim nos fazem deambular por aldeias (a)típicas e quase nos enfiam em casa de gente que não tem feitio para servir de atracção turística. Compreendo muito bem que alguns se sintam incomodados por ver chegar forasteiros tão abelhudos, e tomem medidas para os manter à distância. Em Paredes de Coura, por exemplo, um dos trilhos na paisagem protegida de Corno de Bico, o do Alto dos Morrões, passa por duas aldeias, Giesteira e Túmio, e proporciona uma vista desafogada para várias salas de estar, cozinhas e pátios de gente que, como nós, tem direito à privacidade. O resultado é que, na vizinhança dessas aldeias, principalmente em Giesteira, os indicadores do percurso foram metodicamente sabotados, chegando a ser colocadas cancelas a barrar o caminho. O percurso ainda se consegue adivinhar se for feito no sentido anti-horário (ao contrário do que é recomendado), mas no sentido oposto os caminhantes depressa perdem todas as referências. Quando, já perto de completarmos o circuito, deparámos com um portão e uma corda a travar-nos a passagem, fomos perguntar a um sujeito que trabalhava num campo se era mesmo aquele o caminho para Giesteira. A resposta foi estranhíssima: temos muito gosto em vos ver por aqui. Em vez de responder à pergunta, ele quis atenuar (ou, quem sabe, sublinhar) o repúdio pela nossa presença que transparecia de tão inesperados obstáculos. O homem pode ter sido sincero ou hipócrita, mas é certo que alguém ali (talvez ele mesmo) não gosta de nós.
O Hymenophyllum tunbrigense é espontâneo na Macaronésia, na Europa ocidental e na América do Norte. Nos Açores aparece ainda uma espécie gémea, o H. wilsonii, com frondes mais curtas e menos divididas, que partilha os mesmos habitats aéreos mas tem uma distribuição mais escassa.
As mesmas árvores que serviam de morada ao feto enfeitavam-se com outros adereços de índole vegetal. O mais vistoso era este líquen foliforme que julgamos ser a Sticta canariensis. É uma espécie de lugares húmidos e protegidos que habita troncos musgosos mas também aparece em rochas e pode mesmo descer até ao solo. Está presente em quatro das ilhas açorianas (São Miguel, Terceira, Pico e Flores) e, mais globalmente, na Macaronésia e na Europa. Se nos arquipélagos atlânticos a sua sobrevivência não suscita preocupações, já o mesmo não se passa no continente europeu, onde a espécie é considerada vulnerável ou mesmo em perigo de extinção.
A Sticta canariensis tem a peculiaridade de existir sob duas formas muito diferentes, que no entanto pertencem à mesma espécie por serem associações simbióticas do mesmo fungo. Quando o fungo se associa a uma alga verde, temos o morfotipo retratado na foto. Quando ele se associa a uma cianobactéria (também chamada alga azul), o resultado é este morfotipo com talos acastanhados e rugosos, mais comum no norte da Europa.
Sem comentários :
Enviar um comentário