15/11/2010

Da Serreta à Lagoinha

Juniperus brevifolia (Seub.) Antoine
Na véspera do passeio ao Monte Assombrado já eu ensaiara uma incursão às nuvens. Bastou-me apanhar às 10h30, à frente do Jardim Duque da Terceira, a carreira n.º 1, Angra-Biscoitos, e apear-me na Serreta uns 45 minutos mais tarde. Usar as camionetas de passageiros é a segunda melhor forma de conhecer o litoral da ilha; a melhor é ir a pé; a pior é alugar um carro. É que a velocidade é inimiga da fruição, e as paragens a que os transportes públicos são obrigados dão tempo para nos impregnarmos da paisagem. A pé ainda teríamos mais tempo, tanto que não caberia num dia só e poderíamos nem chegar às nuvens.

Um dos percursos pedestres recém-marcados na Terceira vai da vila da Serreta até à Lagoinha, um pequeno lago perfeitamente circular ao fundo de uma das muitas caldeiras vulcânicas que existem na metade ocidental da ilha. Medido a partir da estrada, o percurso terá, com ida e volta, uns 8 km de extensão, partindo de uma altitude de 240 metros e atingindo no bordo da cratera um máximo de 800 metros. Com excepção da extenuante subida final para a Lagoinha, a maior parte do percurso é feito em declives suaves. As marcações, importantíssimas para quem não conhece o terreno e em locais onde a vegetação é muito cerrada, estavam todas bem visíveis.

É acima dos 500 metros que o carácter da vegetação muda por completo: a certa altura avançamos por um estradão onde de um lado vemos criptomérias e do outro juníperos. Tomamos um desvio, deixando para trás a plantação florestal e embrenhando-nos na floresta das ilhas tal como ela era antes da ocupação humana. Acreditamos que esta relíquia é para preservar e que o estradão marca uma fronteira que já não será devassada.

O Juniperus brevifolia, que os açorianos conhecem como cedro-do-mato, é uma conífera de até 12 metros de altura, de copa larga e tronco retorcido, endémica do arquipélago e apenas ausente da Graciosa. É a árvore mais numerosa e mais característica da floresta húmida dos Açores, dando abrigo a um riquíssimo mosaico de plantas raras ou endémicas. Cortado em grande escala pela sua madeira de alta qualidade, só nas ilhas do Pico, Faial, Terceira e Flores persistem populações abundantes de cedro-do-mato; contudo, a consciência gradual do valor destas raras manchas florestais parece ter conseguido travar a sua destruição. E, se outros benefícios ambientais não trouxe a monocultura da criptoméria, pelo menos fornece madeira e alivia a pressão sobre a floresta autóctone.

Lagoinha da Serreta


Das plantas que se podem observar pelo caminho, empoleiradas nos juníperos ou à sua sombra, se contará noutras ocasiões. Agora quero só falar da Lagoinha num dia em que as nuvens optaram por reter a carga aquífera em forma de névoa, gentileza que agradeço apesar de com isso não ter ficado muito mais enxuto. Disseram-me que lá de cima, nos dias bons, se avistam a Graciosa e São Jorge, mas há aqui um equívoco na adjectivação. Os dias bons são aqueles em que as árvores parecem flutuar no vácuo, em que o mundo parece ter no máximo uns cinquenta metros de diâmetro e vai sendo criado e apagado à medida que avançamos. Quando desci para a margem do lago, fechou-se atrás de mim a cortina de juníperos por onde acabara de romper: encontrava-me como que numa grande câmara circular pendurada a toda a volta com grandes reposteiros verdes. Por momentos achei que nunca redescobriria a saída, e não me importei nada com isso.

5 comentários :

Anónimo disse...

Divina atlântida entre névoa verde.
Abçs
da bettips

Luz disse...

Lindaa paisagem, assombrosa a escrita!
Obrigado!

Rosa Silva ("Azoriana") disse...

E eu que sou de lá (Serreta) natural e nunca tive ocasião para entrar em tal palco, nem sequer abrir os cortinados verdes para espreitar o musical da natureza em toda a sua plenitude, altitude e atitude. Terá visto a "estrelinha"? Dizem que é o pássaro raro que povoa o teatro com atos de verde e azul, cores frias num ambiente húmido.
Parabéns pelo seu magnífico texto que nos apromixa da Lagoinha e desse cantinho do céu, como eu lhe costumo chamar.
Cumprimentos
Rosa Silva ("Azoriana")

Rosa Silva ("Azoriana") disse...

Ressalva: Parabéns pelo seu magnífico texto que nos aproxima da Lagoínha.

Rosa Silva ("Azoriana") disse...

Numa pesquisa matinal encontrei o comentário datado de 2012. Entretanto, em 2016, tive ocasião de visitar a Lagoínha da Serreta. Encantou-me, deliciou-me a visão e o percurso até lá, pese embora alguma dificuldade no trilho pedestre. Podia ter ido anos antes mas não seria a mesma sensação. É, de facto, um cantinho do céu quase rente a ele, e com a natureza na sua essência. Recomendo vivamente que visitem a Lagoínha da Serreta e a deixem intacta e pura, tal como ela nos abraça à chegada com a frescura e a magia.
Cumprimentos
Rosa Silva ("Azoriana")