05/04/2011

A cor das estrelas

Gagea soleirolii F. W. Schultz [= Gagea nevadensis Boiss.]


Na visita à bacia do Mondego, avistámos ao longe, nas margens do rio Seia, umas penhas de granito cobertas por flores amarelas. Mais narcisos, sorrimos, ena tantos. Mas o tom de amarelo parecia esverdeado, não o matiz dourado das trombetas. Entretanto, decorria uma caçada aos javalis (a última da temporada) e, embora fosse improvável que os atiradores nos confundissem com um, tínhamos sido avisados pela GNR para nos mantermos longe dos montes, onde o ricochete de alguma bala era risco não desprezável. Mas que fazer? Era imperativo fotografar aquelas plantas baixinhas que são quase só flor. Com a audácia que é sina dos impetuosos e dos incautos, subimos até elas.

Como vêem, é uma herbácea sem défice de formosura, mas não é um narciso. É uma liliácea que começa a florir no Inverno, e o verde que nos atraiu é o colorido que domina no exterior das seis tépalas. Aprendemos depois que ela aprecia pastos pedregosos e clareiras em floresta de montanha; que as hastes não sobem além dos 6 cm (por isso, sem as umbelas de flores, passa despercebida e houve mesmo quem a tivesse designado Gagea pygmaea); que as flores hermafroditas não têm nectários e a dispersão das sementes (em forma de pêra; as das espécies de zonas desérticas são achatadas para se espalharem facilmente com o vento) está a cargo das formigas; que é perene (embora viva parte do ano reduzida a uma cebolinha a que, em italiano, chamam carinhosamente cipollaccio di Soleirol); e que é natural de Portugal, Espanha, França e Sardenha.

A Nova Flora de Portugal conta quatro espécies de Gagea no nosso território, das cerca de quarenta que há na Europa e na Ásia. A G. soleirolii ocorre nas terras altas e frias do Minho, Trás-os-Montes e Beiras. O folhedo nas fotos parece basto, mas não é: neste género, cada planta tem uma ou duas folhas basais filiformes que nascem directamente do bolbo, e umas poucas caulinares, alternas e caneladas; mas no nó do cacho de (em geral, não mais de três) flores, há duas brácteas semelhantes a folhas pequenas que preenchem o ramalhete.

Sir Thomas Gage (1781-1820), barão inglês, foi botânico estudioso de líquenes, sobre quem se escreveu: "In the most abstruse parts of the vegetable world, he has laboured hard by the lamp, as well as by the sun." O epíteto específico homenageia outro colector empenhado, Joseph-Francois Soleirol (1791-1863), naturalista amador que se especializou na flora da Córsega.

O nosso voto é que a ervinha se passe a chamar estrela-de-Inverno, sem indicação da cor da flor por nos soar redundante. A escolha inglesa, yellow star-of-Bethlehem, precisa de incluir esse detalhe para a distinguir da outra star-of-Bethlehem, que é branca. O nome coloquial que talvez tenha vindo à mente do leitor, gaja, é que não serve, pois o povo sabe que esta palavra indica «pessoa incerta cujo nome não se lembra ou não se quer mencionar». Não há registo de qualquer designação vernácula para este primor.

3 comentários :

Rosa disse...

Viva Maria! Belas estrelinhas.
Serão, porventura, as "gaginhas" aparentadas com estas outras que eu andava para lhe perguntar o que são?
http://www.flickr.com/photos/contemplar/5578026570/

Maria Carvalho disse...

Olá. A sua planta é um Ornithogalum broteroi. Muito interessante; onde o viu? Há alguma controvérsia sobre a família a que deve pertencer esta espécie (Asparagaceae, Hyacinthaceae ou Liliaceae), mas, como notou a Rosa, o formato das flores indicia algum parentesco com as do género Gagea.

Rosa disse...

Claro Maria! Eu até já a tinha identificada aqui
http://www.flickr.com/photos/contemplar/4514806165/
Mas desta vez fiquei na dúvida e quando vi as vossas flores baralhei-me.
Estas, encontro-as todos os anos por esta altura nos pinhais na zona da Ericeira. Tenho mais fotografias tiradas há dias, vou colocar no Flickr.
E, mais uma vez, obrigada pela ajuda :)