O tempo e o feto
A procissão dos meses, marcada pelas mudanças na vestimenta das árvores, é coisa que se pode seguir até de uma janela num escritório com ar condicionado. Mas quem se der ao trabalho de descer à rua e ensaiar umas caminhadas pode, se estiver atento, detectar sinais mais subtis. Basta eleger um muro de granito que seja poupado a limpezas regulares e observar assiduamente a vegetação que a ele se acolhe. As plantas vão e voltam, florescem e frutificam, amarelecem com a estiagem para reverdecerem com a chuva. E nem os fetos, que pouco fazem para dar nas vistas, ficam indiferentes ao correr das estações.
Para o feto-do-tempo (nome adaptado do espanhol Helecho del tiempo), um dos oito fetos que compõem o género Anogramma, contar os meses que se escoam é de primordial importância. Ao contrário da generalidade dos seus semelhantes, este feto é uma planta anual e o seu tempo de vida esgota-se num semestre ou pouco mais. Em Dezembro ou Janeiro (ou, em lugares mais frios do que no Porto, uns meses mais tarde) despontam as primeiras frondes: são minúsculas (3 a 7 cm de comprimento), têm as pínulas arredondadas e profundamente sulcadas. Formando grandes concentrações em muros sombrios e lugares húmidos, conseguem fazer-se notar pela quantidade. Numa segunda etapa surgem frondes diferentes, mais compridas, que se distinguem claramente das anteriores por serem erectas e bipinadas (os dois tipos de fronde podem ser observados na foto da esquerda). Toda essa folhagem tem uma textura frágil, que faz lembrar a salsa — parsley fern é aliás como lhe chamam americanos e ingleses, e o epíteto leptophylla significa precisamente folhas finas. As frondes tardias, ao contrário das suas antecessoras, são férteis: se lhes espreitarmos o verso com a ajuda de uma lupa ou de uma objectiva macro, vemos que elas estão salpicadas de esferas microscópicas com cores que vão do laranja ao vermelho e ao negro. Dessas esferas, que são na verdade esporângios, sairão os esporos que se irão encarregar de perpetuar a espécie.
Com a falta de humidade no Verão é chegada a altura de o feto-do-tempo se despedir da vida. Outros inquilinos ficarão a ocupar o muro que escolhemos acompanhar por uma temprada.
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