18/04/2011

Passagem para a Europa



Cotula australis (Sieber ex Spreng.) Hook. f.

Desde que nos juntámos à Europa— a despeito de a geografia nos asseverar que sempre lá estivémos — passámos a servir de porta de entrada no eldorado a cidadãos africanos ou brasileiros. Com a crise a assentar arraiais em Portugal e a ameaçar estender-se como um cancro ao resto do continente, as posições inverteram-se. As terras da promissão ficam agora a sul do equador; por cá estamos de saída e já não recebemos ninguém.

Não foram só pessoas a entrar na Europa através de Portugal: houve plantas que fizeram o mesmo sem ter que esperar pela liberalização das fronteiras. E, tal como as migrações humanas, também as migrações vegetais pelo nosso país poderão ser afectadas pela austeridade, por haver menos gente a gastar dinheiro em jardinagem e luxos quejandos. É que antes de tudo o resto estão necessidades básicas como o carro novo a cada três anos e os telemóveis com a última tecnologia. Mas é até um benefício que não haja novas plantas importadas de lugares longínquos, pois algumas das que cá se instalaram já têm causado estragos de sobra.

A Cotula australis, originária da Austrália e da Nova Zelândia, terá chegado a Portugal em meados do século XX, e daqui tem-se vindo a disseminar para o resto da Península. Sabe-se, por exemplo, que só na década de 80 se estreou em terras galegas. E não descurou outras vias de penetração europeia: naturalizada em Inglaterra, aguarda maré favorável para atravessar a Mancha.

Os ingleses chamam-lhe Australian waterbutton, mas este minúsculo botão-de-água, que floresce de Março a Agosto, não é de modo nenhum exclusivo de ambientes húmidos. Em Portugal, onde a sua distribuição parece limitada a altitudes não superiores a 200 m, é possível vê-lo em muros, passeios, caldeiras de árvores e jardins desmazelados. É uma planta anual de aspecto delicado, com hastes rasteiras de não mais que 15 cm de comprimento, folhagem que faz lembrar a da cenoura, e inflorescências esverdeadas, desprovidas de "pétalas", com cerca de 5 mm de diâmetro.

3 comentários :

Luz disse...

Dantes dizia-se: "De Espanha nem bom vento, nem bom casamento". Agora acho que podemos alargar o ditado ao resto da Europa, pois parece que, com a nossa entrada lá (será que até aí eramos apenas meros turistas?)chegou o mau vento que nos deixou neste estado de "dormencia"que nos leva a suportar até aquilo que nunca deveria ser suportado... Até as plantinhas nos invadiram... Mas elas que tenham cuidado e é bom, que enquanto têm tempo, se comecem a mudar, porque o tempo de inercia acabou e se elas continuam a pensar que não vamos reagir ao seu oportunismo vão dar-se muito mal. Pela parte que me toca estou "fartinha" de invasores, de patetas, de impostores e de abusadores e acho que já estou acordada. Por isso, se me cruzar com uma delas mesmo que apenas tenha 15 cm de altura, é bom que se esconda senão ainda corre o risco de ser arrancada pela cabeça.

Anónimo disse...

Bem hajam o(s) ‘Dias com árvores’!!!...bem hajas, Paulo!
Iniciada em 2007-08 a ‘minha pequena demanda’ fotográfica, primeiro com a flora ornamental cá de casa, depois a flora selvagem e fauna afim (insectos) cá de casa esgotado que foi o pote ornamental, e estendida à flora e faunas afins para onde vou (a sós ou acompanhado); a verdade factual é que em 2008 havia fotografado em casa (entretanto desaparecida?) esta mesma planta que nomeias de Cotula australis e nunca fora capaz de a identificar, nem sequer de lhe dar a ascendência familiar - coisa contranatura à evolução por que há sempre uma tribo, uma família por trás!!! - tendo-a mantido numa quarentena de anonimato. Até que por magia, abrindo o ‘Dias com árvores’ a 19/Abr, verifico que apenas 1 dia antes enviaras a boa nova. Mal sabia que ‘acarinhara uma invasora dos antípodas’.
Obrigado Paulo pelo conhecimento que transmites e levas aos outros.
PS: Sem ironia (ou talvez sim; e julgo não violar o ‘livro de estilo’ do blogue): não há forma de todos estes conhecimentos serem contabilizados no PIB deste rectângulo geologicamente colocado no ‘cú da Europa’? Se há Património imaterial, também pode haver um PIB imaterial, e como somos velhos de 800 anos é muito maior o nosso que o da maioria dos outros. Tem que ser possível. E talvez nem precisemos de ajuda externa!!!
Obrigado pelo prazer que dá vir aqui aprender lendo num português bem escrito que dá gosto ler.
NOTA: aproveito esta oportunidade de cumprir finalmente (se é que é útil) o que dissera à Maria na sede da Campo Aberto em Dez/10 - Flora de Valongo, sobre o local onde encontrara a Succisa pinnatifida: 1ª vez,Nov/2008: Srª das Neves, Serra d’Arga; 2ª vez,Ago/2009: Mamoa do Rápido, Esposende [GPS N041º34.725, W008º45.733]
Abraço.
Carlos M. M. Silva

Paulo Araújo disse...

Obrigado pela simpatia, Carlos.

Às vezes as plantinhas mais comuns e insignificantes são as mais difíceis de identificar. Neste caso só mesmo pela inflorescência se poderia adivinhar a família.

A Cotula australis não me parece ser uma invasora problemática, uma vez que ocupa espaços ruderais, em que pouco resta da vegetação nativa. E a ideia de as plantas conseguirem medrar nos sítios mais inóspitos sempre me foi simpática: esta no Porto vê-se com frequência nas bermas dos passeios.

Mas há uma prima desta, a sul-africana Cotula coronopifolia, que se instalou em sapais (por exemplo no Cabedelo, na ria de Aveiro e no estuário do Cávado) e por isso é uma planta indesejável (embora não na mesma categoria que os chorões ou os jacintos-de-água).

E muito obrigado por indicares as localizações da Succisa. São lugares que conhecemos mal e que havemos de visitar com mais atenção.

Abraço,
Paulo