04/07/2011

Aditamento às cruzes

Murbeckiella boryi (Boiss.) Rothm.


Isto de ser a montanha mais alta do nosso território continental traz privilégios e obrigações. Entre as obrigações conta-se a de se fingir igual aos Alpes ou aos Pirenéus: daí os bangalós ao estilo suíço das Penhas da Saúde e as pistas reforçadas com neve artificial quando a genuína não chega para as encomendas. Já os privilégios são um bom motivo para nos regozijarmos: além das paisagens únicas, a Serra da Estrela alberga plantas que, em Portugal, não existem em mais lado nenhum. Uma delas é justamente a Murbeckiella boryi, uma pequena crucífera (caule até 25 cm) que vive em fendas de rochas graníticas em altitudes superiores a 1300 metros (há rumores da sua ocorrência também no Gerês, mas por lá ela é dificílima de encontrar). As suas flores brancas, que têm cerca de 1 cm de diâmetro e surgem de Abril a Agosto, são algo semelhantes às da Arabis (ver aqui e aqui) — que, porém, não costuma ter folhas tão recortadas.

A Murbeckiella boryi, aliás, já se chamou Arabis carpetana; e também já experimentou ser Cardamine, Sysimbrium e outras coisas mais. A crise de identidade foi resolvida em 1939, quando o botânico alemão Werner Hugo Paul Rothmaler (1908-1962) agregou no novo género Murbeckiella três espécies endémicas da Península Ibérica.

O nome científico completo Murbeckiella boryi (Boiss.) Rothm. bem merece uma leitura antroponímica — ou uma mini-ilustração de como dar nome de gente a uma planta garante um arremedo de imortalidade. Rothm., já se adivinha, é abreviatura de Rothmaler. O Boiss. entre parênteses indica que foi o suiço Pierre Edmond Boissier (1810-1885) quem primeiro registou um nome para esta planta: chamou-lhe então (em 1838) Cardamine boryi. O epíteto boryi terá sido homenagem ao naturalista francês Jean Baptiste Bory de Saint-Vincent (1778-1846). Finalmente, o nome genérico Murbeckiella recorda o explorador e botânico sueco Svante Samuel Murbeck (1859-1946), grande estudioso da flora do norte de África.

6 comentários :

Anónimo disse...

Olá Paulo.
Domingo passado,no Marão,ouvindo-vos a todos por entre a névoa falar de Muerbeckiella,ter-me-á ocorrido que não só os romanos estiveram loucos;os botânicos tb terão seguido as pisadas latinas;bem..lendo o teu texto já descansei um pouco; Arabis vá lá,já vi uma em Travanca,Montesinho que os meus 'queridos guias generalistas' ma apresentam ou indicam;esta..não.
Mas ainda bem que tens um saco sem fundo para elucidares o que mesmo sem nevoeiro não era possível ver.
Foram-me muito úteis os 2 dias,obtendo (entre várias)a identificação de uma que carregava às costas já há dois anos. Duas NOTAS:
1)fui ao Alvão mas só lá cheguei às 17:20 depois de dar quase meia volta ao parque(p Ermelo);não vi o que queria por isso lá estarei até fim/Jul.
2)quanto às Plantas do Corgo/Douro sobre as quais me perguntaste Domingo,tenho várias que nunca tinha visto, mas não creio que não estejam já no vosso 'saco'.
Abraço
Carlos Silva

Fátima Isabel disse...

Gostava de saber mais sobre a origem do nome botânico de cada planta com que me cruzo. Neste post fiquei super elucidada, obrigada. Há algum livro ou site que me possa recomendar?
Abraço
Fátima Freitas

Paulo Araújo disse...

Olá Carlos.

A impressão que tive, ao comparar as minhas fotos da M. boryi com os restos mortais da M. sousae que vimos no Marão, é que as duas praticamente só diferem no tamanho. Tanto uma espécie como outra têm algumas folhas inteiras, outras pinatífidas, e outras ainda que fazem lembrar o contorno de uma guitarra.

Para nós o passeio ao Marão no domingo também foi muito útil, sobretudo porque ficámos a conhecer locais a que por certo voltaremos em alturas do ano mais propícias. Em Lamas de Olo talvez não tenhamos inspeccionado o lameiro certo, mas ainda assim vimos uma boa quantidade de Arnica montana (e um campo de orquídeas já secas).

Se não for maçada para ti, gostava de saber que plantas viste no Corgo / Douro. Pode ser que alguma seja novidade para nós.

Abraço,
Paulo

Paulo Araújo disse...

Cara Isabel:

Há um livro bastante útil: Stearn's Dictionary of Plant Names for Gardeners. Uma página na internet com o mesmo tipo de informação é esta. Também por vezes dá jeito consultar na Wikipédia a lista de abreviaturas de autores de nomes botânicos.

Abraço,
P.A.

Anónimo disse...

Olá Paulo.
S/ lameiro julgo ter estado no indicado pois rodeei-o exactamente por cima de pegadas anteriores,decerto dos antecessores de sábado.E sempre duvidando entrei num com porta deslocável,como indicado pelo Miguel,que passava para outro lameiro por uma 'pontesinha' de pedra.Confirmarei até ao fim do mês.Mas estava muito escuro e nublado e com quem falei disse-me logo:'hoje,não é dia'.
Quanto ao Corgo/Douro não é maçada alguma;a questão é que de forma sumária só chego à família e género;aqui vai:*indica que foi esta a 1ª vez que vi(julgo):
ALLIACEAE:Allium sp.[Foz-Corgo,Régua,*];ASTERACEAE: Artemisia sp.[Leito-cheia Douro,Régua,*?];
BORAGINACEAE:Heliotropium europaeum;
FABACEAE:Ononis spinosa [Leito-cheia Douro,Régua,*; confirma-se,acho: tem ‘woody spines’;
LAMIACEAE:Origanum virens; LILIACEAE/ASPARAGACEAE?:Asparagus sp.[Est.CF Valbom,Margem Douro,*]; PRIMULACEAE:Lysimachia vulgaris;
RANUNCULACEAE:Delphinium verdunense?halteratum ssp. verdunense??;[S.Salv.Mundo,*?(ou similar ao que fotografei nos Mtes.Aquilanos,Ancares mas diferente do que vi na aldeia/S.Gralheira];Clematis campaniflora[Foz Corgo,Régua,*];
SCROPHULARIACEAE:Verbascum virgatum?[forma duriensis??)[Foz Corgo,Régua,*];Anarrhinum duriminium[S.Salv.Mundo;este deve ser o mesmo que fotografei-não estava em flor!)num trilho em Bruçó,Douro],Digitalis purpurea var.amandiana(?) [S.Salv.Mundo,*].Há umas árvores como o 'Lodão?/Lodum?'e outras que terei que averiguar.
Abraço (e desculpa o texto-romance)
Carlos Silva

Paulo Araújo disse...

Obrigado, Carlos. Quando quisermos procurar a Digitalis amandiana já sabemos onde o fazer. E gostei de saber que a Clematis campaniflora existe na foz do Corgo: até hoje só a tínhamos visto no Tua, numa zona que vai ser inundada com a construção da barragem. E, de facto, o lódão (Celtis australis) é espontâneo nas margens do Douro e dos seus afluentes (em particular nas do Tua).
Abraço,
Paulo