13/01/2005

A única revista que...

Neste mundo em que, cada vez mais, comunicamos à distância com aqueles que partilham os nossos gostos e ignoramos tudo sobre os nossos vizinhos, as revistas especializadas cumprem um papel agregador dessas dispersas comunidades de interesses, fornecendo-lhes referências e uma marca identitária. Um caçador de fim-de-semana - equipado com cão, veículo todo-o-terreno, artilharia quanto baste, farda e botas a condizer - alimentará a sua paixão, no dia-a-dia sedentário entre duas saídas de campo, com a leitura atenta de Cães & Tiros: a prosaica aparência quotidiana esconde afinal a sua verdadeira personalidade, que é a de um membro ferrenho do clube mato tudo quanto mexe.

Um relance pelos quiosques e ficamos convencidos: há interesses para tudo, e para cada interesse há uma revista ou até muitas revistas. Há assuntos em que mesmo em português elas proliferam: carros, motociclismo, cães, cavalos, caça, pesca, culturismo, decoração, bordados, saúde & bem-estar, moda, computadores, puericultura, futebol, música... No meio deste gasto desvairado de papel, uma revista há que proclama ser a única portuguesa sobre jardins; intitula-se precisamente Jardins. Será mesmo a única? Haverá mais portugueses interessados em motociclismo ou na criação de cavalos do que em jardins?

A falar verdade, a revista não é bem portuguesa: é a versão nacional de uma publicação que existe em várias línguas. Mais de dois terços do seu conteúdo não publicitário é traduzido; daí que muitas vezes ela pareça desajustada do público a quem se dirige, como nos insistentes conselhos sobre as precauções a tomar com a neve. Há dicas que são puro dislate, atribuível talvez à tradução: «devolva as formas às árvores de sombra em repouso, eliminando o ramo central principal» (n.º 28, Janeiro de 2005, pág. 36). Quer isto dizer que devemos cortar-lhes a flecha, fazendo assim com que as árvores cresçam deformadas?

O conteúdo português da revista, embora escasso, é de leitura proveitosa. Neste número de Janeiro, por exemplo, aparece uma boa reportagem sobre o jardim público de Viana do Castelo na margem do Lima: aprendemos que a sociedade que o construiu, na década de 1880, foi a mesma a quem se deve o Palácio de Cristal portuense; e recordamos a amputação que o jardim sofreu há quatro anos em prol do automóvel. Pena é que, contando-se a história do jardim, não se identifiquem as árvores, arbustos e flores que hoje o compõem. Regista-se ainda com agrado o espaço que a revista abre aos arquitectos paisagistas portugueses para descreverem os seus projectos, mas seria desejável que tais textos, potencialmente tão interessantes, fossem escritos em estilo menos canhestro.

6 comentários :

Paulo Araújo disse...

Olá Verónica, é bom ter-te por cá. "Canhestro" é a palavra certa para descrever o estilo trapalhão, enfastiado, burocrático com que nos brindam os arquitectos convidados a escrever na dita revista. E é pena que assim seja, porque o que têm para contar é do maior interesse. É errado supor que quem faz os projectos é a melhor pessoa para escrever sobre eles.

Gosto de palavras incomuns, que o uso não desgastou. Por exemplo: se eu disser que o dia está "plúmbeo", a estranheza da palavra obriga quem me ouve a uma pausa de reflexão, que não existiria se eu falasse do "dia cinzento".

João M disse...

Se não parecer mal, sugeria que mandasse currículo para tal revista. :-)

Paulo Araújo disse...

Agradeço a sugestão, mas não estou à procura de emprego. Acha que a crítica só é aceitável da parte de quem comprove ser capaz de fazer melhor? Essa é uma boa receita para engolir calado tudo o que lhe queiram impingir.

António Viriato disse...

Confesso que também não gosto muito da revista, que já comprei várias vezes. Fica-me sempre uma sensação de que lhe falta alguma coisa, mesmo sendo um leigo nestas matérias.Só verdadeiramente nela apreciava as descrições dos grandes jardins portugueses. Oxalá alguém «ouça» estes reparos e lhe dê uma inflexão, para nosso comum agrado. Sobre este tema, que eu saiba, nada mais existe no mercado, em língua portuguesa, dirigido ao nosso país, ao nosso clima. Não se inibam com alguma crítica. Nunca ninguém consegue agradar a todos o tempo todo... Nem Cristo o conseguiu...

Anónimo disse...

Longe de mim querer dar-vos graxa ;o) , mas o dias-com-árvores - e o vosso belíssimo livro - valem mais que 100 revistas! :)
DK

Anónimo disse...

Tenho uma série de números da Jardins, mas agora compro muito de longe a longe. Os textos além de canhestros, estão em alguns casos saturados de gralhas e erros ortográficos. Esperava também alguma evolução, de conteúdo e estilo, que acabei por não notar. O reparo que faz sobre a falta de identificação das plantas nos artigos, é algo que também estranhei. É positiva a existência de uma revista sobre jardins, mas há muito que deixei de comprar em português só por ser em português, como forma de apoio. Se houver melhor noutro lado, compro noutro lado -- e para mim é por esse melhor que todos os projectos nacionais se deviam equiparar. -- JRF