Provérbio - Nozes
...Deus dá nozes a quem não tem dentes
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O filólogo brasileiro João Ribeiro, na 2ª e última série de Frazes feitas: estudo conjectural de locuções, ditados e provérbios (Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1909, p.21-22), explica-nos assim o teor deste conhecido provérbio:
«Aplica-se o ditado ao que não sabe ou não pode aproveitar a boa fortuna que lhe coube. À velhice edentada as nozes nada aproveitam, e por isso mais especialmente aos velhos é que ironicamente se endereça o rifão, e apodo, quando desposam meninas. Se desta situação marital é que resulta o provérbio, imaginado pela inveja, a explicação não pode ser outra que a de costume antiquíssimo e que data dos romanos. Por esses tempos remotos, quando se recolhiam os nubentes da cerimónia do casamento lançava o marido aos rapazes grande quantidade de nozes. Era quase um modo de despedir-se da meninice. O símbolo não trazia o amargor de hoje [...]
Com as nozes brincavam as crianças e "deixar as nozes" era fazer-se gente grande e séria. "Et nucubus fazimus quoecumque relictis". Cabem pois as nozes aos que não têm dentes, tanto à infância como à decrepitude.»
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Esta também parece ser a interpretação de Rafael Bordalo Pinheiro que, no seu album Phrases e anexins da lingua portugueza: album de caricaturas (1876)*, ilustra a frase "Dá deus nozes a quem não tem dentes", fazendo figurar um homem de idade sentado ao lado de uma rapariga jovem, numa carruagem.
*A edição facsimilada desta obra foi publicada pela Caminus (Lisboa) em 1994.
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3 comentários :
Excelente maneira de homenagear o nosso Rafael Bordalo Pinheiro, ao mesmo tempo que nos evoca a riqueza cultural dos provérbios, que andam a requerer um estudo profundo, actualizado, da competência de Antropólogos ou de Filólogos.
Interessante também, a explicação de João Ribeiro, filólogo do Brasil, há muito desaparecido das citações lusas, a traduzir o desleixo em que caiu entre nós, particularmente, o estudo da Língua Portuguesa, em breve coisa de arqueólogos ou de eruditos confinados ao remanso das tertúlias académicas ou ao silêncio de chumbo das biliotecas.
Quanto ao caso do adágio das nozes, não deixa de ser curiosa a evolução semântica aqui revelada.
João Ribeiro e muitos outros estudiosos da língua portuguesa e mais especificamente da paremiologia como Luís Chaves, António Tomás Pires, Raimundo Magalhães Júnior, etc. são referências fundamentais para quem se interessa por este tema: a razão de ser de alguns ditos populares, provérbios, frases feitas e expresões idiomáticas. É um assunto que me apaixona e sobre o qual publiquei um pequeno livro há cerca de dois anos intitulado "Floresta de Provérbios". Como é uma edição de autor(a) com divulgação reduzidíssima, aproveito a "boleia" do seu gentil e oportuno comentário para deixar aqui um "url" sobre o referido estudo (um pequeno artigo que na altura saíu no Naturlink):
http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=10912&iLingua=1
Cara Manuela Ramos,
Agradeço a indicação do livro que vou encomendar numa livraria de Lisboa. É assunto que me interessa, de há muito, ainda que de forma inteiramente diletante. Tenho alguns adagiários comigo, portugueses, espanhóis e um refraneiro popular galego, que trouxe de uma Feira do Livro de Pontevedra, há um par de anos. Apesar do farto repositório existente, falta, pelo que conheço, um estudo antropológico, sociológico e filológico, sobre todo esse manancial. Não sei se o insigne Leite de Vasconcelos a este particular se dedicou. Mas se o fez, falta-nos a continuação desse trabalho, de que o seu livro poderá ser uma útil contribuição. Antecipadamente a felicito, desde logo pela iniciativa, e prometo que irei ler o livro, com natural interesse, tão depressa o obtenha.
Mais uma vez, os meus sinceros agradecimentos e congratulações, pelas iniciativas meritórias suas e da restante equipa do «Dias com Árvores», que amiúde visito, sempre com muito agrado.
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