07/01/2005

Um pé de romã


Foto: pva 0410 - flor de romãzeira

«Se uma criança pudesse fazer o mapa de uma cidade - pensava eu, olhando o pé de romã -, ele teria menos casas e mais árvores e bichos. A romã, por exemplo, está estritamente ligada à carambola, na minha coreografia íntima. Eu conhecia essas árvores de um só quintal da cidade; eram como que uma propriedade específica de certa família amiga.(...)

Uma das árvores que tinha mais prestígio era uma oliveira. Era só um pé, e estava nos altos do Jardim Público, perto do chamado Banco dos Amores. Não dava frutos. Não sei quem teve a fantasia de plantá-la em lugar e clima tão impróprios, mas de algum modo era importante haver em nossa cidade uma oliveira, árvore que produz azeitonas, azeitonas que produzem azeite; tudo isso era cultura para nossa infância.(...)

Havia as frutas sem dono, vulgares: mamão, goiaba, araçá, jenipapo, ingá. Mas que prestígio tinham as romãzeiras da casa das Martins! A gente gostava mais de carambola, mas a romãzeira, como era linda a flor! A fruta se rachava de madura no começo do verão...

Penso em muitas coisas aqui, neste chuvoso domingo, olhando um pé de romã no quintal de uma cidade estranha.»

Rubem Braga, As boas coisas da vida (1988)

3 comentários :

Carla de Elsinore disse...

eu que nem as vi, neste dia de reis, quase lhes senti agora o sabor. :)

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Tão bom comer bagos de romã aos molhos! Que conceito único e genial o deste blogue!

Anónimo disse...

Gostei muito. Não descansem, queremos mais.