Palácio de Cristal no Programa Biosfera
No dia 14 de Outubro, o programa televisivo Biosfera (RTP 2) incluiu uma desenvolvida reportagem sobre o centro de congressos para 6000 pessoas que a Câmara do Porto, em parceria com a AEP e outras entidades, pretende instalar nos jardins do Palácio de Cristal. Além de contemplar a remodelação do Pavilhão Rosa Mota (objectivo que ninguém contesta), o projecto prevê a construção de vários edifícios anexos que vão invadir o lago (convertido em «espelho de água» e amputado para metade) e ocasionar o derrube de várias árvores adultas. Mais do que a perda das árvores (aliás em número muito maior do que aquele admitido pela Câmara e pelo arquitecto), os opositores ao projecto lamentam o abastardamento do mais emblemático jardim histórico da cidade do Porto.
Se não viu o programa, pode aproveitar para fazê-lo agora. Foram entrevistados Rui Rio (Presidente da Câmara do Porto), o arquitecto José Carlos Loureiro, dois membros do Movimento em Defesa dos Jardins do Palácio, e eu próprio.
6 comentários :
Espantosa a história do lago que não é lago porque tem a água verde e só serve para ter patos.
Faz dó.
Voltei a ver este programa,na RTP2,neste Domingo por volta das 13.00. Os erros de quem toma decisões parecem querer repetir-se. Mas ainda bem que há o exercício da Cidadania dos mais atentos e amantes da beleza natural de um Jardim. Recordei algo que li de Aldo Leopold " A defesa de uma ética da terra poderia parecer desesperada, não fosse a minoria em revolta declarada contra essas tendências "modernas""e mais adiante " ... A maior parte de todas as relações com a terra depende de investimentos de tempo, previsão , capacidade e fé mais do que investimentos em dinheiro. No que se refere à utilização da terra, somos o que pensamos". Salvemos os Jardins do Palácio de Cristal! MD
Já tinha dado algumas voltas à cabeça para tentar perceber o que haveria de especialmente errado no lago dos jardins do Palácio. Ouvindo agora o arquitecto, percebi tudo: o homem detesta qualquer tipo de lago e tem fobia aos patos. Se lhe dermos mão livre todos os lagos de todos os jardins portugueses desaparecerão, e os patos entrarão na lista das espécies em risco.
Há outra questão, um pouco mais séria, que tem a ver com a anunciada fusão da AEP (Associação Empresarial de Portugal) e AIP (Associação Industrial Portuguesa). A AEP, que irá explorar o futuro centro de congressos e é o maior parceiro da Câmara do Porto neste projecto, chamava-se até há alguns anos Associação Industrial Portuense. Num debate sobre o projecto para o Palácio, José António Barros, actual presidente da AEP, não se coibiu de usar o discurso regionalista para apresentar o atentado aos jardins do Palácio como uma obra essencial para a afirmação da cidade na sua resistência ao centralismo lisboeta. Afinal, a AEP intervinha, dir-se-ia que providencialmente, para que o Palácio, esse símbolo da cidade, não caísse em mãos lisboetas, representadas pelo Pavilhão Atlântico. Além do mais, era um regresso a casa da AEP, que sempre fora portuense e regionalista de corpo e alma, apesar de ter andado um pouco à deriva em anos recentes.
E não é que, depois deste apelo de nos fazer chorar a alma tripeira, o mesmo José António Barros assina um acordo de fusão com a AIP para formar uma única associação empresarial - que terá sede em Lisboa?! E assim, afinal, o Pavilhão Rosa Mota e o centro de congressos anexos ficarão sob alçada lisboeta, quando tinha sido para evitar isso mesmo que nós, portuenses, fôramos convidados a apoiar o projecto.
Os românticos dirão que a AEP, nascida no Porto, resolveu voltar a casa para morrer. Mais realista é dizer que a AEP, enquanto associação regionalista, há muito que tinha desaparecido. Ressuscitou momentaneamente os pergaminhos portuenses porque tinha um casamento rico em perspectiva e, estando falida, precisava de dote para convencer o noivo. Não regressou ao Porto para servir a cidade, mas sim para se servir dela. Câmara endividada, verbas do QREN e não sei quantos mais milhões: é isso que a AEP daqui quer levar para entregar ao noivo, em Lisboa.
Mas nao haverá outro espaco no Porto para se construir um centro de conferências? O quanto nós gostamos de destruir...
Recebemos por correio electrónico um "desabafo" de uma nossa leitora que nem sequer é do Porto, mas conhece bem a cidade. O que ela escreve é do maior interesse para todos nós:
Caros Responsáveis pelo blogue,
Vi o Biosfera (graças à vossa amabilidade) e entristeceram-me o tom irritadiço e o desprezo que senti na voz do arquitecto e do presidente da CM, ao falarem daquele espaço de jardim consolidado, que está acessível a todos, que é romântico, que é familiar, onde se pode conversar à vontade, comer, estudar, ler, brincar com os filhos, dar de comer aos patos, contemplar os ramos das árvores confortavelmente sentados debaixo delas, arrastar cadeiras e mesas livremente até à melhor posição, ao sol, à sombra, perto da água, longe da água, vislumbrando sempre a silhueta (romântica) da capela entre as ramagens... fiquei triste de ouvir falar com desprezo de tudo aquilo, que nos é útil e que existe num espaço (que não deixa de ser belo por as cadeiras serem vulgares) e onde todos passam e se passeiam, sem constrangimentos no acesso. Os enquadramentos encantadores, quase mágicos, que aquelas árvores nos dão, quando olhamos para além delas através dos vidros do restaurante... as árvores e o lago de mãos dadas com as pessoas, dando-lhes sombra, frescura, beleza e paz, a elas e ao pavilhão, que entre as ramagens e a água, parece ter pousado e encontrado o aconchego merecido (depois de um longo voo desde uma modernidade insaciável e fugaz, como se vê pelas vontades expressas na peça).
Um plátano não deixa de ser belo ou majestoso por ser vulgar nas estradas ou por estar "plantado" no asfalto (talvez isso o enobreça e enalteça pelo esforço que faz para sobreviver)... Quem é esta gente que fala assim? Nem parecem arquitectos nem presidentes... onde está o amor pelo território e pela história que ele encerra?
É com muita pena que percebo que há quem queira substituir árvores naturalmente belas e harmoniosas (em qualquer parte do mundo) por construções subjugadas à tal modernidade insaciável e fugaz, assinaladas por uma torre (emblemática!) destinada a expelir gases para a atmosfera... onde está a sensatez? Qual será a beleza intrínseca dos novos edifícios assim tão altamente patrocinados por uma torre de gases? É muito triste.
Desculpem o desabafo, mas sou fã incondicional do vosso jardim.
Um abraço forte.
Para memória futura.
Diz o arquitecto José Carlos Loureiro:
- [sobre os 10 ciprestes-de-Leyland]: A estas deito-as abaixo conscientemente.
- [momentos depois]: Eu já tive ocasião de dizer e eu reitero isso: isso é uma pura falácia. Porque árvores nós deitamos abaixo cinco, dois plátanos e três cedros.
Enviar um comentário