A vida horizontal
Quercus robur L. - Epping Forest
E se as árvores, em vez de morrerem de pé, vivessem deitadas? Mesmo que as raízes da árvore não sejam alicerces suficientemente firmes para resistirem a uma tempestade, cair pode não ser o fim, mas apenas uma mudança de postura: a vida continua, ainda que na horizontal.
Na memória do povo britânico, a data de 16 de Outubro de 1987 tem uma ressonância de tragédia. Nesse dia, uma das maiores tempestades da história atingiu o leste e o sudeste de Inglaterra. No mar houve poucos barcos naufragados, e os estragos em terra não foram, na sua maioria, nem em casas, nem em estruturas construídas. Notável foi o número de árvores tombadas, superior a dez milhões. As chuvas que antes tinham caído haviam ensopado os solos, o que diminuíra a estabilidade das árvores; e elas, além do mais, estavam pesadas da folhagem, apesar de já chegado o Outono.
Houve de imediato uma mobilização geral, com generosos donativos para «limpar» as florestas e plantar novas árvores em substituição das que se tinham «perdido». Mas, no entender de Oliver Rackham, autor de Trees & Woodlands in the British Landscape (Phoenix Press, 2.ª ed. 1990), esse impulso voluntarista causou estragos muito mais sérios do que a tempestade em si. Porque, na verdade, e pelo menos na sua grande maioria, as árvores tombadas não estavam perdidas. Se o tronco não se tivesse quebrado, e se as raízes se mantivessem, em parte, agarradas à terra, a árvore continuava viva, embora numa posição em que não estamos habituados a vê-la. O carvalho aí em cima é uma boa amostra dessa vida horizontal: dá folhas, dá bolotas, é abrigo e sustento para outras vidas, exactamente como se estivesse de pé. Caso a árvore, em vez de cair inteira, tivesse quebrado pela cintura, do cepo alimentado pelas raízes surgiriam novos ramos que iriam, ao fim de alguns anos, refazer a copa. As florestas «arrasadas» pela tempestade estavam, afinal, tão vivas como antes, e só precisavam de tempo, e não de dinheiro, para se recomporem.
Havendo dinheiro, porém, era preciso gastá-lo. Vieram motosserras e escavadoras para remover os troncos caídos e arrancar os torrões das raízes; plantaram-se centenas de milhares de novas árvores. Se num jardim ou num parque urbano formal se aceita a pulsão de ter tudo arrumadinho, já numa floresta uma tal intervenção é danosa e esbanjadora. As árvores de viveiro têm hipóteses quase nulas de sobreviverem em ambiente natural (em Portugal muita gente com responsabilidades sabe disso, o que não impede essas mistificadoras campanhas de um milhão de árvores para aqui ou para ali); e as poucas que conseguem vingar acabam por adulterar e falsificar a composição natural da floresta, a menos que tenham sido criadas a partir de sementes obtidas no local.
E mesmo a árvore tombada que se despediu da vida, como a que vemos aí em baixo, cumpre uma função importante na ecologia de um bosque, fornecendo alimento a escaravelhos e outros insectos, abrigando pássaros e esquilos nas cavidades do tronco apodrecido. A árvore caída pode estar morta, mas ainda é parte da cadeia viva a que chamamos natureza.
Hampstead Heath
6 comentários :
muiticimo.prabens por tao lindas palavras,por confortar aquelas lindas arvores que ja forao se ao menos nao conseguirao se defender de tanta brutalidade,sou um apaixonante da natureza.que lindo olhar,p/tao diferenciado coloridos,e tao maguinifica que ate morta nos serve,gosto,de fazer germinar qualquer semente,e tao sinples,mas os iguinorante nao ve sinplesmente destroi lamento muito.
Belíssimo texto.
Moro em Londrina -PR, Brasil e o mesmo aconteceu recentemente.
Depois de uma chuva intensa e muitas árvores de um bosque aqui da cidade tombarem, a Prefeitura mandou "limpar" o bosque. Muitas árvores estavam na mesma situação descrita por ti.
Um abraço.
É sempre um prazer ler os seus textos, tanto pela forma com pelo conteúdo.
Se determinadas pessoas, lessem o que escreve, talvez respeitassem mais a natureza... Pena não poder chegar a todos!
Belissimo post!
Belissimas imagens e mais uma aprendizagem. Eu não sabia que uma árvore tombada ainda podia viver...
Agrada-me a ideia de que nem todas as árvores morrem de pé!
Luz
Obrigado a todos pelos generosos comentários. É interessante saber que em Londrina (coincidência de nome) aconteceu coisa parecida, e que as autoridades tiveram exactamente a mesma reacção ao mandar «limpar os estragos». O que custa a aprender é que a natureza, por vezes, bem dispensaria a nossa trapalhona ajuda, e que o dinheiro não resolve tudo.
Lindíssimo e só me dá saudades
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