Candeias de veludo
Há algum tempo comprámos uma lupa pequena para levar no bolso durante os nossos passeios pelo campo. Veio numa caixinha que se desdobra e, desse modo, nos permite segurar a lupa sem tocar no vidro. É frequente usá-la, por exemplo, para identificar as espécies de Cheilanthes, cuja destrinça é tarefa delicada. Bem, esse é o uso sério da lupa. Nos intervalos, ela deixa-nos entrever um mundo de coisas minúsculas que não sabíamos que existiam e que raramente investigamos.
Veja-se, por exemplo, o aspecto sedoso da planta das fotos. Quando tocamos e espiamos à lupa o veludo que recobre quase totalmente as folhas, os caules e os capuchos das flores, notamos que ele é feito de pêlos estrelados e rijos. Esta herbácea alta, de floração primaveril, habita essencialmente o sul do país (Algarve, Baixo Alentejo e Beira Litoral; e, mais geralmente, é nativa do terço sul da Península Ibérica e do noroeste de África), onde as temperaturas são amenas quase todo o ano. Não se exclui, porém, a necessidade de algum agasalho das flores nos dias mais frios e sobretudo de muita sombra que refresque no Verão. E, à semelhança das pesadas roupas de quem vive no deserto, um indumento denso é um mecanismo hábil para controlar a temperatura e a perda de água por evaporação.
Mas será só por isso que tantas plantas são hirsutas e têm pêlos aparentemente tão agressivos? Decerto uma camada desta penugem também garante protecção das partes mais frágeis e vitais da planta (folhas e flores, hastes das inflorescências) contra insectos que, se tentam andar sobre ela ou dar-lhe uma dentada, tropeçam na malha de pêlos, ficam de patas presas, picam-se, escorregam em glândulas com goma tóxica ou têm de mastigar uma lã crespa e espinhosa. Alguns insectos acabam por aprender a lidar com estes entraves, e há os que sabem caminhar na planta devagar e em segurança, ou os que têm tromba longa para debicar a planta sem terem de penetrar até à seiva pelo arame farpado. E não será apenas para afastar perigos que as plantas se cobrem de pêlos: quando já há frutos, os pêlos estão também mais secos e fácilmente se agarram a quem passa, garantindo desse modo uma dispersão mais eficiente para novos habitats.
Em Fevereiro, é muito improvável que a marioila esteja em flor. Contudo, no Barrocal algarvio, em orlas de matos ou lugares soalheiros com solo básico, as populações desta Phlomis são tantas e tão abundantes que a probabilidade de encontrar pelo menos uma haste florida é já significativa. E cá está ela: as fotos mostram as folhas decussadas de nervuras salientes; os andares de cerca de oito flores em cada verticilastro a rodear o caule (de que a penugem esconde a secção quadrada); o cálice de brácteas imbrincadas; o lábio superior da flor (com cerca de 13 mm) protegendo a entrada; e o lábio inferior largo e quase horizontal, a oferecer uma pista de aterragem confortável aos polinizadores.
O nome da planta, do grego chama, alude ao aspecto das hastes florais que lembram as torcidas das lamparinas (acesas, diríamos, no caso da Phlomis lychnitis). Não sabemos se, de facto, terá tido este uso, como alega a Flora Ibérica, mas alguns estudos recentes de cientistas espanhóis confirmam a relevância de um outro uso tradicional da Phlomis purpurea: ela contém substâncias com efeito anti-inflamatório bastante eficiente contra problemas intestinais. Bom seria que um tal benefício não se ficasse pelas cobaias de laboratório.