03/05/2010

Dobram os sinos de Hispânia

Hyacinthoides hispanica (Mill.) Rothm.
Os bluebells na Grã-Bretanha vivem ameaçados pela invasão dos bárbaros do sul. Já houve um tempo em que a Civilização morava no sul e os que se empenhavam em derrubá-la vinham do norte, mas desceram as trevas medievais e quando elas se dissiparam tudo tinha mudado. Com excepção das plantas e de quem com elas lida, já ninguém fala latim, nem sequer os padres na missa. O sul é sol e praia, défice no PIB e alegre irresponsabilidade. E quando os de cá se mudam para norte só provocam sarilhos, como se vê pelos sinos hispânicos.

Um pouco de latim ajuda a explicar o caso. Há quatro espécies no género Hyacinthoides: uma delas, H. vicentina, é exclusiva do litoral sudoeste português; duas outras, H. non-scripta e H. hispanica, têm uma distribuição mais ampla. Acontece que na ilha de Sua Majestade só o H. non-scripta é de ocorrência espontânea, e os britânicos gostam tanto dele que a flor é quase um símbolo nacional. Talvez prefiram ignorar, para manter a ilusão de exclusividade afectiva, que os mesmos bluebells são também nativos do continente europeu e até mesmo da Península Ibérica. Por mão humana, os temíveis Spanish bluebells (H. hispanica, de Espanha, Portugal e talvez Norte de África) migraram para a Grã-Bretanha e têm-se misturado com os genuínos e nórdicos bluebells, a ponto de em muitos lugares ser já difícil encontrar populações não miscigenadas.

Este é o resumo da história em traços largos e maniqueísticas, com bons e maus claramente identificados. Há porém um detalhe que perturba a limpidez do relato. O que se vende como Spanish bluebells em hortos britânicos é um híbrido entre as duas espécies. O H. hispanica «puro» praticamente não se encontra na Grã-Bretanha, e é esse híbrido hortícola — quem sabe se produzido originariamente por quem agora se queixa dele — que tem feitos estragos nas populações nativas de H. non-scripta.

Acrescente-se que o jacinto-dos-campos (nome que por cá damos ao H. hispanica) é das flores mais comuns de norte a sul do país, sem que a abundância lhe prejudique a beleza. Faz dobrar os sinos em azul de Março a Junho, anunciando a Primavera e alegrando-nos a caminho do Verão.

2 comentários :

Alex disse...

Já conhecia uma pouco desta história... Eu simplesmente chamo-os "sininhos azuis", para os diferenciar de uma outra espécie, em nada relacionada, a que chamo jacintos do campo.

O que deles mais gosto é a lenda que refere que são o habitáculo das fadas dos bosques. É uma pena a floração ser tão curta, durando pouco mais que duas semanas. A minha história pessoal está repleta de "bluebells" hispânicos. Mesmo vivendo, agora, na cidade tenho um aqui, num vasinho do peitoril da janela, saudando os vizinhos atentos.

(os que plantei no jardim botânico floriram bem, mas um pouco enfraquecidos pela sombra a mais dos áceres...)

Luz disse...

Lindos... Adoro!
Luz