08/10/2009

Trovisco



Daphne gnidium L.

Embora Apolo sempre tenha rejeitado os grilhões do casamento, não lhe faltaram descendentes de ninfas ou belas mortais de almas conformadas à obrigação de servir o sagrado. Seduziu deusas e musas, às vezes disfarçado de cria peludinha, a saltitar entre o tomilho, que elas levavam ao peito entre carinhos, para logo se revelar um jovem tumultuoso de falinhas ardentes. Contudo, apesar de divino, nem sempre foi bem sucedido. Quando se atreveu a perseguir a ninfa-das-montanhas, Daphne, uma sacerdotisa filha do rio Peneius em Tessália, o conselho dos deuses no Olimpo não apoiou a ousadia e metamorfoseou-a num loureiro para abreviar a fuga - e daphne é a designação grega para loureiro.

Porém, mesmo um olhar desatento nota que o arbusto da foto pouco se parece com um loureiro. Por isso, J. P.de Tournefort (1656-1708) recomendou para o trovisco - mas Lineu não aceitou - outro género, Thymelaea. Este e o género Daphne (com cerca de 50 espécies da Ásia, Europa e norte de África) partilham traços e aflições, como a de abrigar várias espécies em vias de extinção: a Thymelaea broteriana, endemismo do noroeste da Península Ibérica, serras do Gerês, de Alpedrinha e da Arrábida, está a precisar urgentemente de protecção; e a Daphne rodriguezii, que se restringe às ilhas Baleares, dá-se quase como desaparecida.

O trovisco tomou emprestado o apelido da cidade de Cnido (costa da Ásia Menor, hoje Turquia), de onde provém, sendo também abundante na região mediterrânica costeira, nas Canárias e no norte de África. É um arbusto sempre verde que pode atingir o metro e meio de altura, de folhagem clara com glândulas aromáticas nas faces inferiores, flores de Verão-Outono muito perfumadas, tubulares, hermafroditas, de haste pilosa, com 4-7mm de diâmetro e 4 sépalas (não têm pétalas). O fruto é uma drupa vermelhinha brilhante e tóxica, com uma só semente.

As plantas do género Daphne têm fama, consignada por Dioscórides, de antisépticas, cicatrizantes e insecticidas; mas o seu emprego nessa qualidade tem de ser comedido pois podem provocar queimaduras ou intoxicações graves. Certo é os frutos são apreciados por aves - bons portanto para atrair e caçar galináceos, num ardil cujos pormenores os leitores que estadiam no campo podem suprir; que o uso de pauzinhos de trovisco para acelerar a cicatrização dos furos nas orelhas é eficiente - mas pouco frequente porque nós preferimos a dor ao ridículo; que a D. papyraceae e a D. bholua, dos Himalaias, fornecem fibras para o fabrico de papel; e que a D. genkwa, do norte da China e com flores azuis, é usada em medicina chinesa como agente abortivo.

4 comentários :

Rafael Carvalho disse...

Sendo um incondicional admirador das nossas plantas nativas, já tentei por diversas vezes transplantar o trovisco para o meu jardim. Nunca tive sucesso!
Este ano semeei algumas sementes. Aguardo pelo êxito, ou talvez não, de mais esta tentativa…

Luz disse...

A minha mãe, que faleceu com a belíssima idade de 96 anos, e que era grande amante de ervas, pois usava-as para os mais diversos fins, usava o tovisco para "quiemar" qualquer verruga que se atrevesse a aparecer... neesa altura, o trovisco crescia livremente nos matos da zona de Sintra. No entanto nunca vi nenhum pé tão alto como aqui é descrito. No entanto as flores são iguais. este blogue, além de muitos conhecimentos ainda me traz boas memórias!!!

Maria Carvalho disse...

Caro Rafael Carvalho: O trovisco não tolera transplantes. Mesmo as podas com fins ornamentais devem ser reduzidas ao mínimo. O livro A-Z encyclopedia of Garden Plants, da Royal Horticultural Society, aconselha:
1. Enterrar as sementes logo que amadureçam e manter o vaso em ambiente frio.
2. No Verão, enriquecer o substrato com folhelho macio e verde.
3. Usar solo moderadamente fértil mas rochoso, bem drenado mas não seco, e alcalino.
4. Manter frescas as raízes do rebento usando mistura de palha húmida, folhas, etc. espalhada sobre elas.
5. Não esquecer que o trovisco precisa de muito sol.

Rafael Carvalho disse...

Maria,
fico muito grato pelos esclarecimentos relativos à propagação do trovisco.
Cumprimentos.