12/04/2010

Urze rosada

Erica australis L.
O nome popular registado para esta planta é urze-vermelha, o que denuncia um défice generalizado de acuidade visual. Urze-rosada seria designação muito mais certeira, mas já não vamos a tempo de endireitar o mundo. Aliás, nisto de nomes vernáculos estamos muito mal servidos. A maioria deles não nos dá qualquer pista sobre a aparência da planta, nem nos ajuda a relacioná-la com outras plantas do mesmo género. A erva-de-São-Fulano não tem qualquer semelhança ou parentesco com a erva-de-São-Sicrano; a erva-fina é uma gramínea, a erva-língua uma orquídea. Entre nós, o conhecimento das plantas, mesmo na mítica aldeia de antanho, sempre foi escasso e superficial. Em Inglaterra, onde a urbanização ou suburbanização não cercearam o gosto pela natureza, um inexaurível exército de naturalistas amadores ajudou a cristalizar um conhecimento botânico popular vertido numa nomenclatura quase tão sistemática como aquela que é promulgada pela ciência. Para um exemplo entre muitos, creeping buttercup, meadow buttercup, bulbous buttercup e goldilocks buttercup são tudo nomes de ranúnculos: buttercup faz as vezes do nome genérico Ranunculus, e é precedido por um adjectivo que tem função análoga à do epíteto específico. Nomes populares portugueses para os ranúnculos são botão-de-oiro, erva-hemorroidal e erva-quaresma. Poderão ser pitorescos e até sugestivos, mas ninguém deduz deles qualquer afinidade entre as plantas assim nomeadas.

Voltemos à (mal) chamada urze-vermelha. Já é azar que, num dos poucos grupos de plantas em que a terminologia popular é esclarecedora, se tenham equivocado na cor. Adiante. Em Portugal existem urzes espontâneas que atingem porte considerável, de dois a seis metros de altura. São elas, por ordem decrescente de tamanho, a Erica arborea, a Erica lusitanica, a Erica scoparia e a Erica australis. As duas primeiras têm flores brancas (fotos aqui), as flores da terceira são esverdeadas, e as da quarta são conforme o retrato acima afixado. A Erica australis, que é uma das urzes mais comuns de norte a sul do nosso território, raramente ultrapassa os dois metros e meio de altura. As duas características apontadas — ser grande e ter flores rosadas — são suficientes, em muitos casos, para a identificarmos. Mas, como tudo quanto é grande começa por ser pequeno, vale sempre a pena atendermos aos detalhes — ou, neste caso, às flores. As da E. australis têm um cálice penugento, formado por sépalas pontiagudas, de tom púrpura, parcialmente cobertas por brácteas da mesma cor.

A urze-rosada floresce precocemente, às vezes ainda no Inverno; em locais quentes do sul da Península pode manter-se em flor durante quase o ano inteiro. É uma planta muito visitada por abelhas, que fazem do seu néctar o principal ingrediente do mel de urze. Em Valongo, na Serra de Pias, pintou ela de rosa a encosta que desce até à ponte de Couce. Ficou bonito e até fez esquecer os eucaliptos. Não pode haver propaganda mais eloquente das suas qualidades ornamentais.

2 comentários :

Rafael Carvalho disse...

As urzes são efectivamente plantas que exercem em mim um forte fascínio.
Curiosamente, como planta ornamental, apenas tenho visto urzes de pequeno porte.
No meu jardim de plantas autóctones, possuo por transplante a Erica arborea. Ainda não consegui ter sucesso no transplante da Erica australis.
Este fim-de-semana fiz a auto-estrada A4. A zona de Valongo está efectivamente um espanto, apesar da floração ainda não estar no seu expoente máximo. Agrada-me especialmente o contraste entre o rosa da urze e o amarelo do tojo ou da carqueja.
Cumprimentos.

Tânia Marques disse...

Amo este blog, tenho um fascínio por árvores e pela Natureza. As flores me encantam de uma forma poética. beijos!